Um ano depois das suspeitas levantadas sobre os chamados fundos Airbus terem agitado a comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, o contrato polémico continua a ser executado enquanto correm várias investigações aos seus efeitos para as finanças da companhia pública. Sem resultado conhecido.

O relatório e contas de 2023 revela que foram pagos ao fabricante europeu 15,2 milhões de dólares (14,2 milhões de euros), no quadro do acordo de renegociação feito durante a pandemia para adiar a entrega de aeronaves e atirar para a frente encargos financeiros. Este montante é muito inferior ao pago nos dois anos anteriores — 53,3 milhões de dólares em 2021 e 58,2 milhões de dólares em 2022 — e está bastante abaixo da estimativa feita para a despesa em 2023 (segundo as contas de 2022) ao abrigo deste contrato que era de 66,4 milhões de dólares (62,4 milhões de euros).

No documento de prestação de contas do ano passado, a TAP explica que duas aeronaves A330 Neo, que não tinham sido entregues à data (ano de 2023), foram “recentemente alvo de renegociação novamente no intuito de diferir a entrega para o último trimestre de 2025 e segundo trimestre de 2026″.

A mais recente renegociação prolongou o compromisso da TAP com a Airbus até 2028. O documento diz ainda que em 2023, e ao abrigo do aditamento ao contrato de aquisição do A320 Neo Family, “as datas de entrega de um total de 22 aeronaves foram objeto do replaneamento, estando previstas as datas de entrega de todas as aeronaves até 2028”. A TAP refere também que “este contrato de aquisição decorre da renovação à TAP SA do contrato de aquisição previamente negociado e assinado entre a Airbus e a DGN Corporation” (empresa de David Neeleman).

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Já em 2020, a TAP tinha atirado a entrega de 13 aeronaves, inicialmente previstas para 2021 a 2023, para 2025 a 2027. O contrato original negociado pelo empresário americano que vendeu a posição na TAP ao Estado em 2020 previa a aquisição de 53 aeronaves (39 A320 Neo Family e 14 A330 Neo) que deveriam ser inicialmente entregue entre 2018 e 2025. Este contrato foi reformulado a partir de uma encomenda feita pela TAP antes da privatização de 2015 para a compra de aviões do modelo A350 e em relação ao qual a empresa portuguesa falhou pagamentos quando era detida pelo Estado.

O mecanismo que ficou conhecido como os fundos Airbus foi a engenharia financeira montada pelo acionista privado que permitiu a David Neeleman obter os fundos necessários para cumprir a recapitalização da empresa através da renegociação do contrato de aquisição de aviões que a TAP tinha com a Airbus. Essa renegociação também terá evitado que a companhia entrasse em incumprimento contratual.

Além da vantagem financeira para o acionista privado na capitalização da TAP, duas auditorias encomendadas pelas anterior administração liderada por Christine Ourmières Widener — uma financeira e outra jurídica — trouxeram à superfície suspeitas de que a TAP foi lesada por este negócio. Isto porque a troca de frota feita pelo empresário americano teria aumentado os encargos da companhia portuguesa com a compra dos aviões para valores superiores aos suportados pelas concorrentes. Isso mesmo foi confirmado pelo administrador financeiro durante a sua audição na CPI (comissão parlamentar de inquérito). Gonçalo Pires reconheceu que era difícil negociar com a Airbus.

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O Observador questionou a TAP sobre se chegou a tentar renegociar os custos da frota e sobre quanto já foi pago à Airbus e quanto falta pagar, mas fonte oficial disse nada ter a acrescentar em relação ao relatório e contas. Segundo a informação remetida à comissão de inquérito, o contrato de compra de 53 aviões à Airbus renegociado por David Neeleman tinha um valor de seis mil milhões de euros.

As suspeitas sobre os fundos Airbus chegaram ao Ministério Público no final de 2022 por iniciativa do então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, após ter recebido o resultado das referidas auditorias pedidas pela administração da TAP. Estas auditorias foram entregues à comissão de inquérito depois de terem sido noticiadas pelo jornal Eco, mas nunca foram divulgadas porque estavam em segredo de justiça.

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Sobre estas suspeitas, o empresário da aviação David Neeleman sempre negou ter prejudicado a TAP, tendo remetido informação e pareceres da época (2015) à comissão de inquérito para sustentar a sua posição, ao mesmo tempo que garantiu que os socialistas sempre souberam do uso dos chamados fundos Airbus na capitalização da empresa, ao contrário da surpresa manifestada por alguns antigos responsáveis políticos.

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Em resposta ao Observado, fonte oficial da Procuradoria-Geral da República informou que o inquérito “oportunamente instaurado no DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal), encontra-se em investigação”, sem indicar se tem arguidos constituídos.

Além da investigação judicial, o tema dos fundos Airbus está a ser investigado numa nova auditoria do Tribunal de Contas (TdC) com base na informação que veio a público no quadro da CPI e depois de, numa primeira auditoria à privatização da TAP, os juízes nada terem apontado a esta operação. Esta auditoria não está concluída, nem o TdC indicou ao Observador qualquer previsão para a sua conclusão.

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Uma das recomendações introduzidas no relatório final da comissão de inquérito por iniciativa do PCP determinou também a realização urgente de uma outra auditoria pela Inspeção-Geral de Finanças para apurar todos os pagamentos feitos pela TAP aos acionistas privados, bem como ao grupo Airbus e os encargos relativos à operação de manutenção no Brasil que foi fechada em 2022. O despacho para a realização dessa auditoria foi aprovado pelo ex-ministro Fernando Medina em outubro do ano passado, mas a mesma ainda não está concluída, indicou ao Observador a Inspeção-Geral de Finanças.