O Governo chegou, esta terça-feira a um “acordo intercalar” com o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) para um aumento dos salários em janeiro de 2024 e deu por findas as negociações. O anúncio foi feito em comunicado pelo Ministério da Saúde após uma nova ronda negocial com os sindicatos, na qual a Federação Nacional dos Médicos (Fnam) rejeitou aceitar o acordo.

O acordo para a revisão da grelha salarial dos médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) prevê um aumento de 14,6% para os assistentes hospitalares com horário de 40 horas, de 12,9% para os assistentes graduados e de 10,9% para os assistentes graduados seniores.

“Modelo similar será aplicado a cada a uma das carreiras médicas”, assinala o Ministério da Saúde, acrescentando que o aumento salarial acordado aplica-se a todos os médicos, “privilegiando as remunerações mais baixas”.

Segundo a tutela, “trata-se de uma solução que garante a estabilidade do funcionamento do SNS, pilar do acesso à saúde em Portugal”. “Nas atuais circunstâncias políticas, e não tendo havido atempadamente consenso sobre todas as matérias negociadas, nomeadamente a redução de horário para as 35 horas, o Governo propôs aos sindicatos a celebração de um acordo intercalar para o aumento salarial dos médicos sem alteração do período normal de trabalho”, justifica o Ministério da Saúde.

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O acordo alcançado com o SIM será acompanhado, “nos próximos dias”, pela regulamentação da dedicação plena e dos novos incentivos das Unidades de Saúde Familiar e dos Centros de Responsabilidade Integrados, adianta o comunicado do Ministério da Saúde. De acordo com a tutela, os cerca de 2.000 médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar que transitam para as Unidades de Saúde Familiar modelo B no início de 2024 terão um aumento de cerca de 60% na sua remuneração e os médicos dos centros de saúde e dos hospitais que queiram aderir ao regime de dedicação plena terão um aumento salarial, em janeiro, superior a 43%.

O Ministério da Saúde saúda “o empenho de todas as partes nas negociações” – que decorreram durante mais de um ano e foram pautadas por várias greves – e chama a si o “enorme esforço para ir ao encontro das reivindicações das estruturas sindicais, tendo como princípio uma solução que reforce o SNS e um quadro de responsabilidade orçamental e equilíbrio entre as carreiras da administração pública”.

Pizarro: “Coração do SNS está mais saudável”

Aos jornalistas, no final da última ronda de negociações, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, saudou o acordo, sustentando que valoriza a carreira médica, e considerou que há “boas razões para acreditar que o coração do SNS está mais saudável”. “Este é um acordo intercalar, é o acordo possível do Governo. São conhecidas as circunstâncias políticas em que nos encontramos, é o limite a que podíamos chegar e foi um esforço muito grande de parte a parte, da nossa parte e também da parte do Sindicato Independente dos Médicos (SIM)”, declarou, dizendo tratar-se de um “enorme esforço” para atrair e reter profissionais no SNS.

“Os médicos em início de carreira, os especialistas, têm um aumento remuneratório praticamente de 15% (14,6%), depois têm um aumento de 13% na segunda fase da carreira e um pouco superior a 11% na fase (…) mais elevada da sua carreira. Esse é o acordo possível, porque, ao mesmo tempo (…), cerca de 2.000 médicos das USF [Unidades de Saúde Familiar] modelo A ou das unidades de cuidado de saúde personalizados que passam para as USF modelo B vão ter um aumento de cerca de 60%”, salientou.

“Estamos a falar de um esforço muito grande do Estado para retribuir aquela que é uma profissão central para a vida pública dos portugueses”, acrescentou.

SIM fala em “sentido de responsabilidade” e acusa Fnam de “propostas maximalistas”

O secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) não tem dúvidas em defender que o acordo revela “sentido de responsabilidade” face ao momento do SNS e anunciou que o mesmo traduz-se em mais 400 euros mensais para os médicos. “Este acordo intercalar permite a todos os médicos ter uma valorização salarial, algo que já não acontecia há vários anos, desde há mais de 10 anos, de cerca de 400 euros mensais, para todas as carreiras, se fazem urgência, se não fazem urgência, de uma forma transversal”, declarou aos jornalistas.

O dirigente sindical afirmou que a situação de crise no Serviço Nacional de Saúde e a crise política que se lhe juntou obrigava o SIM “a ter um sentido de responsabilidade” que levou o sindicato a assinar “um princípio de acordo intercalar”, o que significa que as negociações vão continuar, mas com o próximo Governo. “Naturalmente gostaríamos de poder ter mais”, disse Roque da Cunha, sublinhando que além de um sinal de sentido de responsabilidade o acordo é também um sinal de “grande preocupação, uma vez que o SIM sabe que “não será com este acordo que os problemas do SNS, que se vêm acumulando ao longo desta década, irão ser resolvidos”.

No entanto, rejeitou “propostas maximalistas” como as que atribui às reivindicações da Fnam e que diz não fazerem “qualquer sentido”, acrescentando que “a federação responderá por si” e considerando que um aumento de “15% no primeiro ano”, conseguido depois de “muita e dura negociação com o Governo” é um resultado “particularmente adequado”.

Roque da Cunha disse que o acordo pretende “dar alguma tranquilidade aos portugueses” e “um sinal claro aos médicos”, que “vão ter um aumento salarial de 400 euros para todas as carreiras, todas as posições”, onde se incluem os médicos “que apesar de terem um aumento um pouco menor, têm uma percentagem maior desse aumento”.

Com o próximo executivo o SIM quer negociar horários de trabalho, duração de turnos de urgência, férias, investimento no SNS, matérias que também pretende discutir com os grupos parlamentares, mas que não deixará de colocar “a quem suceder a este Governo”. “Sabemos que só o iremos fazer lá para setembro ou outubro, já que sendo as eleições em março, constituição de governo, programa de governo…”, disse, acrescentando esperar que os médicos entendam “que este acordo intercalar era o melhor que podia acontecer nesta fase” e que os portugueses entendam que a posição do SIM “foi uma posição moderada, equilibrada” e que “de alguma maneira possa mitigar e que esperemos que de alguma maneira possa mitigar muitos dos problemas que neste momento tem o SNS”.

Fnam: é “um mau acordo para os médicos” e para o SNS

Após rejeitar o acordo, a presidente da Federação Nacional do Médicos (Fnam) defendeu que o mesmo é “mau para os médicos” e para o SNS. Joana Bordalo e Sá insistiu que a Fnam luta por uma atualização salarial “equitativa para todos os médicos”, rejeitando a proposta da tutela que contempla percentagens de aumento diferentes consoante categorias.

“A Fnam não aceita o acordo, a proposta que foi feita pelo Ministério da Saúde, uma vez que isto é um mau acordo para os médicos, é um mau acordo para o Serviço Nacional de Saúde, isto não vai permitir fixar médicos no SNS”, declarou à saída do encontro. “O que o Governo nos apresentou foi uma atualização máxima de 15% e completamente discricionária consoante o tipo de médicos. Portanto, os médicos de 40 horas iam ter um certo tipo de atualização, os médicos de 42 horas em dedicação exclusiva muito menos, os de 35 horas ainda menos, portanto isto é absolutamente inaceitável”, reforçou.

Segundo a presidente da Fnam, a federação entrou para a reunião com uma proposta de aumento intercalar de 30%, mas admitiu baixar. “Até baixámos para 22%, 23%, no sentido de irmos um bocado mais ao encontro daquilo que entendíamos ser possível e está orçamentado pelo Estado”, referindo-se à tabela relativa ao salário base dos médicos em dedicação plena, entretanto publicada.

“No entanto não houve esta flexibilidade, não houve este encontro por parte do Governo relativamente às reivindicações da Fnam”, lamentou, acrescentando que não estavam em cima da mesa apenas questões salariais e que a tutela “não mostrou o mínimo de flexibilidade em rever o resto das reivindicações” da Fnam, sobre horas de trabalho diárias e semanais, horas de serviço de urgência e reposição de férias, esta última sem “qualquer tipo de impacto orçamental”.

Joana Bordalo e Sá insistiu que a proposta do executivo é “um mau acordo para os médicos e para o SNS” e recusou que a Fnam possa ser “responsável por um mau acordo” que vai levar a mais saídas de médicos do SNS e a que mais jovens médicos não queiram ficar.

“O que os novos médicos têm para aceitar é uma tabela salarial que não é justa, não é digna, e é também um novo regime de dedicação plena que é ilegal, que tem matérias inconstitucionais, que obriga ao aumento das horas extraordinárias para 250 horas, que obriga ao aumento medieval da jornada diária de trabalho para nove horas, com o fim do descanso compensatório depois de o médico fazer uma noite e, obviamente, que os jovens médicos não é isto que pretendem, apesar de quererem ficar no SNS, no entanto as condições não são oferecidas por este Governo”, criticou.

A Fnam, garantiu a presidente da estrutura, vai continuar a lutar “por melhores condições de trabalho e pela justa atualização salarial”. “Seja com este Governo, seja com o próximo”, concluiu.