O Ministério da Saúde e os sindicatos médicos retomaram este sábado as negociações na tentativa de chegar a um acordo sobre as questões salariais, após 18 meses de conversações que levaram a greves e protestos dos médicos.

À entrada para a reunião deste sábado, que arrancou às 15h30, Joana Bordalo e Sá, da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), já dizia ter uma “expectativa baixa” para a ronda negocial, mas sublinhando que a FNAM está presente de “boa fé”. À saída, cerca de cinco horas mais tarde, Bordalo e Sá confirmava que não houve qualquer entendimento.

“Não foi possível chegar a um acordo por falta de vontade política deste Ministério”, declarou a dirigente sindical, apontando que as propostas apresentadas pela tutela nesta reunião foram “exatamente as mesmas da semana anterior”.

Os principais pontos de contenda mantiveram-se: a proposta do Ministério de Manuel Pizarro para o regime de dedicação plena e para as Unidades de Saúde Familiar continuam a não ser aceites pelos sindicatos. “Os documentos que nos apresentaram são piores do que imaginávamos“, afirmou Joana Bordalo e Sá.

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Jorge Roque da Cunha, do SIM, também disse que os sindicatos continuam a ver o Executivo “alpendurado numa proposta perfeitamente fixa”. “O Governo não apresentou qualquer alteração em relação à sua proposta de aumento de 5,1% do aumento do salário em relação às 40h”, um valor que o SIM diz que não seria “aceitável” nem sequer num cenário de “grande abundância de médicos”.

Não é por questão de birra sindical, é porque temos a certeza que não é [uma proposta] competitiva com o privado”, afirmou o dirigente sindical, que diz estar perante uma situação preocupante, tendo em conta o estado do Serviço Nacional de Saúde.

A negociação mantém-se, apesar de tudo, com nova reunião marcada para o dia 8 de novembro. “O Ministério ficou de nos enviar uma nova proposta por escrito. Vamos ver se reflete aquilo que se discutiu aqui ou não”, resumiu Joana Bordalo e Sá.

Já Jorque Roque da Cunha diz que espera que, na reunião da próxima quarta-feira, haja uma proposta diferente em cima da mesa, de acordo com “as alterações que o Governo admitiu que podia considerar”.

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O ministro da Saúde, contudo, disse à saída da reunião que tem havido uma “evolução muito significativa” da posição do Governo, embora tenha admitido que “tem sido difícil fechar o acordo”.

Essa dificuldade explica-se, segundo Manuel Pizarro, por terem de ser encontradas “medidas equilibradas”. Como exemplo, o ministro apontou o diferendo sobre o horário de trabalho, que os sindicatos pedem que passe das 40 horas semanais para as 35.

“Sendo 35 horas, tem de ser um horário de trabalho efetivo”, afirmou Pizarro. “Se um médico que faz urgência faz 12 horas de urgência, é evidente que tem de descansar. Mas, no resto da semana, tem de cumprir as horas que faltam”, afirmou, caso contrário “inviabilizaria a operação normal do SNS e conduziria os hospitais a graves dificuldades”.

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À entrada da reunião deste sábado, Joana Bordalo e Sá já tinha deixado a garantia de que a “FNAM não vai seguramente assinar um acordo não é só que seja mau para os médicos, mas que seja mau também para o Serviço Nacional de Saúde”.

A última ronda negocial realizou-se na passada terça-feira e estendeu-se por mais de oito horas sem ser possível chegar a um acordo, com o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e a Federação Nacional dos Médicos (Fnam) a reivindicarem um aumento salarial transversal de 30%.

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O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, afirmou na sexta-feira, à margem de uma iniciativa em Lisboa, que não quer ser “excessivamente otimista”, mas deseja que a reunião negocial alcance um “resultado positivo”.

“O Governo tem feito um diálogo, que é um diálogo de boa-fé, com uma evolução assinalável das propostas e nós continuamos a trabalhar para uma aproximação de posições”, defendeu.

Quanto à reivindicação do aumento salarial de 30%, Manuel Pizarro afirmou que foram apresentadas várias propostas de flexibilidade que “ultrapassam muito esse valor”.

“Isso não é apenas o que está em causa. Nós temos vindo a aproximar-nos e ninguém pode esperar que uma negociação signifique intransigência das duas partes. As duas partes têm que se aproximar para que seja possível chegar a um acordo”, referiu.

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Para o SIM, foram feitos avanços nas negociações relativamente à redução do horário normal para as 35 horas semanais, de modo faseado e progressivo no tempo desta legislatura, e ao retorno às 12 horas de trabalho em serviço de urgência, mas defende que tem que “ficar assegurado que tal não é condicionado por fatores não dependentes dos médicos e ficar escrito preto no branco”.

“Persiste o desacordo relativamente à recuperação das perdas remuneratórias sofridas pelos médicos, relativamente às quais o SIM não abdica que sejam refletidas no vencimento base e transversais para todos os médicos de todas as áreas de exercício profissional, incluindo os médicos internos”, refere o SIM em comunicado.

O Sindicato Independente dos Médicos afirma que mantém “a sua postura de querer chegar a um entendimento que permita pacificar o SNS e a bem dos doentes, mas que não poderá ser a qualquer custo e eternamente à custa dos médicos”.

Também a FNAM diz estar disponível para assinar “um acordo que dignifique os médicos e o SNS”, com reposição do horário de trabalho de 35 horas, das 12 horas de serviço de urgência e atualização do salário base que reponha o poder de compra para os níveis anteriores à troika para todos os médicos.

“Depois de 18 meses de reuniões infrutíferas com o Ministério da Saúde, tempo em que se percebeu que a maioria da população está ao lado dos médicos e do SNS, o ministro da Saúde admitiu a razoabilidade das propostas entregues pelos médicos, mas, por agora, apenas em palavras”, refere a Fnam em comunicado.

Para a federação, “a reforma do SNS, e a sua dignificação, só é possível com médicos motivados e respeitados, e devidamente valorizados, dada a sua responsabilidade”.

“Mais do que nunca, cabe agora a Manuel Pizarro assumir que é necessário resolver a maior crise em que o Governo colocou o SNS, nomeadamente com a falta de médicos para assegurar escalas da maioria dos serviços de urgência do país”, salienta.

Mais de 30 hospitais do país estão a enfrentar constrangimentos e encerramentos temporários de serviços devido à dificuldade das administrações completarem as escalas de médicos, na sequência de mais de 2.500 médicos terem entregado escusas ao trabalho extraordinário, além das 150 horas anuais obrigatórias.

Esta crise já levou o diretor executivo do SNS, Fernando Araújo, a admitir que este mês poderá ser dramático, caso o Governo e os sindicatos médicos não consigam chegar a um entendimento.