Lula e Zelenski 'quebram o gelo' em reunião sobre paz e reforma do Conselho de Segurança

Bilateral entre Brasil e Ucrânia aconteceu em Nova York, às margens da Assembleia-Geral da ONU, após desencontros e alfinetadas

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Nova York

Após uma série de desencontros, o presidente Lula (PT) se reuniu com seu homólogo ucraniano, Volodimir Zelenski, nesta quarta-feira (20) em Nova York às margens da Assembleia-Geral das Nações Unidas. O brasileiro reforçou sua posição de que o país estará presente em todos os esforços que levem à paz na Guerra da Ucrânia.

"Foi a reunião que devia acontecer e precisava acontecer. Ouvi a história do Zelenski e disse a necessidade de a gente trabalhar para construir a paz", afirmou o petista a jornalistas na noite desta quarta.

O presidente voltou a falar sobre a ideia de uma proposta de consenso ser construída por um grupo de países amigos. "Eu disse ao Zelenski que é importante construir uma mesa de negociação para parar com a guerra e ver se a gente consegue encontrar uma solução. Eu sei que é difícil tanto para ele quanto para o Putin [Vladimir Putin, presidente russo]."

Pouco antes de Lula, o assessor especial da Presidência Celso Amorim disse que a ideia de um grupo de países amigos, que vem sendo chamada de "clube da paz", envolve países interessados em uma solução para o conflito, como o Brasil e os africanos.

Além do conflito, os dois líderes também conversaram sobre outros interesses comuns, como a reforma do sistema de governança global, especialmente do Conselho de Segurança da ONU —demanda histórica da diplomacia brasileira que, nesta edição da Assembleia, encontrou eco em discursos como o do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o do secretário-geral da ONU, António Guterres.

A reunião, realizada no hotel em que Lula está hospedado, começou por volta das 17h (horário de Brasília) e terminou pouco depois das 18h. Diferentemente de todos os outros líderes com quem o petista se encontrou, que tinham que passar pelo saguão do hotel, o ucraniano conseguiu subir sem ser visto.

Lula cumprimenta Volodimir Zelenski em encontro às margens da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York
Lula cumprimenta Volodimir Zelenski em encontro às margens da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York - Ricardo Stuckert/Presidência da República/Reuters

O ministro das Relações Exteriores ucraniano, Dmitro Kuleba, afirmou que o encontro entre os presidentes foi uma "quebra de gelo". "Não que existisse gelo entre nossos países, mas a conversa foi muito calorosa, e eu acho que os dois presidentes entendem muito melhor as posições um do outro do que entendiam antes", disse.

Já o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, afirmou que Lula e Zelenski tiveram uma "longa discussão em um ambiente tranquilo e amigável". O titular do Itamaraty também procurou aparar as arestas em relação ao histórico turbulento entre os dois chefes de governo. "Não acho que houvesse declarações desencontradas", disse o ministro.

Questionado se Lula vai agora se encontrar com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, dada a alegada posição de neutralidade do Brasil no conflito, Vieira disse não ter dúvidas de que os dois líderes se encontrarão se houver essa possibilidade. O próprio chanceler deve se encontrar com seu homólogo russo, o decano diplomata Serguei Lavrov, nesta quinta-feira (21).

Falando brevemente com jornalistas após o encontro entre os dois presidentes, Kuleba chamou por engano Lula de Putin ao falar com jornalistas após a reunião. O presidente russo Vladimir Putin está em guerra com a Ucrânia.

Pelo lado brasileiro, participaram da reunião Vieira, Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação Social), o assessor especial da Presidência Celso Amorim e o senador Jaques Wagner (PT-BA).

Pelo lado ucraniano, integraram a delegação também Andrii Iermak (chefe de gabinete de Zelenski), Andrii Sibiha (assessor para política externa), Ihor Jovkva (assessor para política externa) e Roman Mashovets (assessor-chefe para assuntos militares).

Segundo Vieira, os presidentes também trataram de temas de interesse comum, como a reforma da governança global —uma das prioridades brasileiras na ONU. Os dois ministros das Relações Exteriores devem seguir trabalhando conjuntamente e discutir a questão da paz.

Lula reforçou que o Brasil estará presente em todos os esforços que busquem a paz no conflito.

"Hoje me reuni, em Nova York, com o presidente ucraniano Volodimir Zelenski. Conversamos sobre a importância dos caminhos para construção da paz e de mantermos sempre o diálogo aberto entre nossos países", publicou o petista em sua conta oficial no X (ex-Twitter).

Também no X, o presidente ucraniano publicou vídeo do encontro. Ele ainda afirmou que "seguindo nossa honesta e construtiva discussão, instruímos nossas equipes diplomáticas a trabalharem nos próximos passos dos nossos esforços de paz e relações bilaterais. O Brasil continuará a participar de encontros da Fórmula da Paz [plano ucraniano para paz]".

A reunião entre os dois líderes se dá após rumoroso desencontro durante a cúpula do G7 em Hiroshima, no Japão, evento em maio em que ambos participavam na condição de convidados. Na ocasião, o governo brasileiro afirmou que havia oferecido três horários a Zelenski, e que este "simplesmente não apareceu". Diante da repercussão negativa, fontes do Planalto minimizaram a importância de Lula não ter se reunido com Zelenski à época.

Depois, em uma entrevista em Kiev concedida à Folha e a outros veículos de imprensa da América Latina, o presidente ucraniano deu versão distinta, dizendo que a culpa pelo episódio não tinha sido de sua equipe. Durante a conversa, ele também alfinetou o petista pela falta de apoio para a criação de um tribunal especial internacional que julgue crimes de agressão na guerra e disse, de forma irônica, que o líder brasileiro quer ser "original" em suas propostas.

A principal proposta do governo Lula é a criação de um "clube da paz", formado por países que Brasília considera não alinhados nem a Kiev nem a Moscou —um grupo de cinco nações, segundo diplomatas ouvidos pela Folha. Na prática, contudo, o fórum não se concretizou até aqui.

Nesta terça-feira (19), questionado por jornalistas sobre as expectativas para o encontro com Zelenski, o petista respondeu que seria "uma conversa de dois presidentes de países, cada um com seus problemas, suas visões" e que o diálogo seria "sobre os problemas que ele quiser conversar comigo".

Além dos desencontros, as alfinetadas recíprocas refletem o posicionamento brasileiro que, por um lado condena a invasão russa, mas, por outro, reitera que nenhum dos dois lados do conflito procura entrar em negociação e se manifesta contra a imposição de sanções.

Colaborou Guilherme Botacini

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