Um ano e meio depois de ter rebentado a guerra da Ucrânia, continuam a chegar a Portugal cargas de gás natural russo. Até julho, as importações de gás russo valeram mais de 100 milhões de euros, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) que contabilizam apenas as duas cargas registadas naquele período, sem incluir ainda o navio de gás natural liquefeito (GNL) que chegou a Sines em Agosto.

Um recente relatório da organização não governamental Global Witness aponta o nosso país como o sexto que mais gás liquefeito (GNL) recebeu com origem na Rússia este ano, isto segundo dados citados pelo Financial Times e referidos em notícia do Expresso.

Invocando estes dados, a Iniciativa Liberal (IL) perguntou ao Governo qual a evolução das importações de gás natural liquefeito proveniente da Rússia em Portugal desde o início da invasão da Ucrânia e na eventualidade destas importações terem aumentado, o que pode explicar esse aumento.

Os dados até agora disponibilizados pela Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e pelo Instituto Nacional de Estatística mostram que Portugal recebeu até julho cerca de 195 mil metros cúbicos de gás russo, que representa menos de 10% das compras deste ano, que tiveram como principais origens a Nigéria e os Estados Unidos.

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De acordo com uma resposta do INE ao Observador, estas duas cargas corresponderam a contratos de 106 milhões de euros, numa altura em que os preços do gás desceram de forma significativa. Mas estas chegadas já equivalem a mais do que o volume contratado em igual período do ano passado e ainda falta contabilizar a carga de agosto e eventuais novas cargas que surjam. No ano passado o volume das importações de gás russo foi de 281 mil metros cúbicos

É público que quem compra gás russo através de Sines é uma empresa energética espanhola, a Naturgy. Uma parte deste gás irá para Espanha, nomeadamente através do gasoduto, mas uma parte ficará no mercado nacional para abastecer os clientes da empresa espanhola, que tem na sua carteira 11% do mercado empresarial e 20% dos grandes consumidores. A Naturgy tem um contrato de longa duração — vence em 2038 — para a compra de GNL à Yamal, um consórcio liderado pela empresa privada Novatek, mas que tem entre os seus acionistas empresas chinesas e a francesa Total.

Por outro lado, enquanto importador de eletricidade, parte da energia que Portugal compra a Espanha é produzida nas centrais de ciclo combinado do outro lado da fronteira, e que têm vindo a usar cada vez mais gás russo.

Dados da Enagas, a gestora da rede espanhola de gasodutos, citados pela revista Energias Renováveis, mostram que as compras espanholas mais do que duplicaram até maio. A Rússia foi o terceiro maior fornecedor de gás natural à Espanha e em junho foi mesmo a principal origem das compras. Os dados de agosto já disponíveis revelam que o gás natural russo continuou a fluir na direção de Espanha, mas perdeu importância face a outros fornecedores. Ainda assim, e nos primeiros oito meses do ano, a Rússia foi a terceira fonte de abastecimento com 19,7% das compras espanholas.

Grande parte deste gás tem como destino as centrais a ciclo combinado exploradas pelas elétricas cuja produção também chega a Portugal. O consumo industrial de gás fora do setor elétrico tem vindo a cair, em linha com as orientações adotadas no ano passado para responder à crise energética.

Nos primeiros sete meses do ano, as compras europeias de GNL atingiram os 22 milhões de metros cúbicos, valor que compara com 15 milhões de metros cúbicos em 2021 (antes da invasão da Ucrânia) o qual representa mais 40%. Este crescimento sugere que o envio de produto por gasoduto — fortemente afetado pelo conflito desde o ano passado — está em parte a ser desviado para o gás que chega de navio. A Global Witness calcula que o GNL comprado pelo países da UE está avaliado em mais de cinco mil milhões de euros. E entre os grandes clientes deste gás estão a Bélgica e a Espanha.

O gás russo nunca chegou a ser alvo de sanções por parte da União Europeia, ao contrário do petróleo, mas os governos procuraram reduzir a dependência do país, que era o maior fornecedor da União Europeia até ao ano passado. Aqui ao lado, o governo espanhol pediu às empresas de energia que não renovassem contratos de compras de gás à Rússia, mas os dados até ao primeiro semestre apontam no sentido contrário.