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Por Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro, Valor — Brasília


O ex-CEO da Americanas, Miguel Gutierrez, enviou à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara que investiga fraude contábil na empresa uma carta em que acusa os acionistas de referência da companhia, o trio Jorge Paulo Lemann, Alberto Sicupira e Marcel Telles, de participarem ativamente da gestão financeira da empresa. “Me tornei conveniente ‘bode expiatório’ para ser sacrificado em nome da proteção de figuras notórias e poderosas do capitalismo brasileiro”, afirma ele na carta enviada por seus advogados à CPI no dia 31 de agosto, sexta-feira, e obtida pelo Valor. Gutierrez também acusa seu sucessor, Sérgio Rial, de mentir à CPI quando disse que o trio de acionistas não tinha conhecimento do que acontecia na contabilidade da empresa.

A companhia e os acionistas refutaram as acusações e acusam o executivo de fraude. Rial afirmou que não comentará a carta de Gutierrez e que aguardará o desfecho oficial das apurações (veja mais abaixo as respostas da Americanas, do trio de acionistas e de Rial à carta de Gutierrez).

Miguel Gutierrez é um dos principais envolvidos na suposta fraude contábil na Americanas. Ele comandou a Lojas Americanas por duas décadas e ficou à frente da companhia resultante da fusão entre as lojas físicas e a B2W, controladora do Submarino. Foi substituído em janeiro por Sérgio Rial — executivo que, deixou a empresa nove dias depois dizendo ter descoberto “inconsistências contábeis” da ordem de R$ 20 bilhões na varejista.

Em junho, o atual CEO da empresa, Leonardo Coelho Pereira, acusou a antiga diretoria — liderada por Gutierrez — de fraude na contabilidade. Na ocasião, o executivo apresentou ao colegiado cópias de documentos internos e e-mails que, segundo ele, corroboram as irregularidade, incluindo a falsificação de números para gerar suposto lucro.

Ele não compareceu à CPI quando convocado. Está na Espanha, num tratamento médico, e pediu para ser ouvido por videoconferência, mas teve a solicitação negada pela cúpula da comissão — o presidente, deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE), e o relator, Carlos Chiodini (MDB-SC). A CPI deve acabar no dia 14 sem ouvi-lo e nem aos acionistas de referência.

O ex-CEO disse que o texto enviado à comissão visa ajudar a CPI a “encontrar a verdade e desfazer as cortinas de fumaça que estão sendo erguidas por grupos que deveriam estar lutando pela sua salvação, mas cuja prioridade é proteger seus próprios interesses, seu patrimônio e a sua reputação”.

No relato de 17 páginas, Gutierrez afirma que, após a fusão da Americanas com a B2W, controladora do Submarino, teve papel “mais estratégico” e não atuava em todas as áreas, que tinham departamentos autônomos. “Como é notório, e como consta inclusive do famoso livro que conta a sua trajetória empresarial, o 3G [acionistas de referência] participa ativamente da gestão das empresas de seu portfólio e controla rigorosamente suas finanças”.

Os controladores, diz Gutierrez, estavam no conselho de administração e no comitê financeiro, pessoalmente ou por meio de pessoas diretamente ligadas a eles, inclusive parentes. Além disso, também participavam das reuniões por meio da sua holding LTS, “cujos funcionários, ainda que não tivessem cargos oficiais na companhia, participavam de sua gestão e de seus acompanhamentos”.

Gutierrez não admite na carta uma fraude contábil na empresa, acusação feita pelo atual CEO (Leonardo Coelho) à antiga diretoria. Diz que “dedicou 30 anos à empresa” e que é hoje o maior acionista pessoa física da companhia, que perdeu bilhões em valor de mercado com a crise. Afirma que nunca teve conhecimento ou tolerou adulteração no balanço contábil e acusa o atual CEO de “desviar o foco da investigação [da CPI] para longe dos acionistas controladores”, “mesmo sabendo que as acusações [contra ele] eram mentirosas”.

"O Sr. Sicupira era por mim participado de todos os assuntos relevantes que fossem de meu conhecimento", disse Gutierrez

Os controladores tinham “forte influência e controle” sobre o departamento de contabilidade, segundo ele. “Membros do conselho de administração, do comitê financeiro e do comitê de auditoria, bem como pessoas ligadas aos acionistas controladores (funcionários da LTS, por exemplo) interagiam diretamente e de forma frequente com o diretor-financeiro, por exemplo”, afirmou.

Sobre Sergio Rial

Miguel Gutierrez afirmou que “nem a cultura agressiva, nem a presença e a ingerência dos controladores se alteraram” após a fusão da Lojas Americanas com a B2W, que resultou na diminuição percentual da participação acionária deles, e que foi comunicado por Carlos Alberto Sicupira em 2019 que seria desligado da empresa e que preparasse o processo de sucessão.

A consultoria Spencer Stewart foi contratada em abril de 2022 para escolher seu substituto, mas em julho, segundo o ex-CEO, enquanto o processo ainda estava em curso, foi avisado por Sicupira de que Sergio Rial, então executivo do Santander, tinha sido escolhido. Meses depois, ele diz que descobriu pelo diretor de recursos humanos que a contratação tinha ocorrido ainda antes, em maio, num contrato que ficou “sob sigilo”.

Rial ficou apenas nove dias na empresa, em janeiro de 2023, e pediu demissão afirmando que encontrou uma grave inconsistência contábil que escondia um rombo de R$ 20 bilhões nas contas da empresa. Ele narrou à CPI que só teve conhecimento de problemas às vésperas de assumir o cargo e sustentou que os acionistas de referência não tinham conhecimento. Gutierrez acusa Rial de mentir sobre isso. Disse que ele já atuava, desde agosto, do dia a dia da empresa, participava de um grupo de whatsapp com diretores sem que ele estivesse presente, assim como de reuniões em que o então CEO não era chamado. “Com os demais diretores, o sr. Rial também realizou uma série de reuniões, das quais eu, de saída da companhia, sequer era convidado e das quais às vezes nem tomava conhecimento. Naquele período, ele tinha carta branca e se comunicava diretamente com executivos e funcionários”, afirmou Gutierrez.

“Como se percebe, então, ao contrário do que tentou induzir a acreditar o Sr. Sergio Rial em seu depoimento, o conselho de administração, seja diretamente, seja por meio de seus comitês, participava e, portanto, tinha responsabilidades atinentes às questões financeira e contábil da companhia. Tanto os membros do comitê de auditoria como os do comitê financeiro eram escolhidos pelos acionistas controladores”, afirmou ainda.

"Auditoria a serviço dos acionistas"

Gutierrez acusou ainda o comitê independente de auditoria contratado pela empresa de estar a serviço dos acionistas de referência (Lemann, Sicupira e Telles).

Um dos escritórios contratados, o BMA Advogados, que atua em conjunto com o Vilardi Advogados, “é, notoriamente, o principal escritório que representa de forma frequente, e há décadas, os acionistas controladores da companhia”.

Ele disse que tentou ser ouvido três vezes, sem sucesso, com o argumento de que a investigação ainda estava no início. “Os subscritores do relatório não têm a independência necessária para realizar qualquer análise sobre responsabilidades pelo que ocorreu na Americanas, uma vez que eles certamente estariam impedidos de acusar seus clientes”, afirma o ex-CEO.

Americanas tinha gravíssimo problema financeiro, diz ex-CEO

Miguel Gutierrez defendeu que não sabia de “problema contábil” na companhia, mas que a empresa enfrentava uma gravíssima dificuldade financeira e que precisaria de novo aporte de seus acionistas em 2023 para se manter operando. Além disso, culpa um ataque cibernético em fevereiro de 2022 e o aumento dos juros na economia por uma queda das vendas em todo o primeiro semestre daquele ano.

A empresa saiu de um caixa líquido de R$ 3,5 bilhões no terceiro trimestre de 2021 para uma dívida líquida de R$ 5,3 bilhões em setembro de 2022, “a maior de sua história”.

Na carta enviada à CPI da Câmara, o ex-diretor afirma que a B2W, controladora do Submarino, precisou de cinco ampliações de capital entre 2006 e 2020 porque, assim como todas as empresas do segmento, “sempre foi uma grande consumidora de caixa”.

Ele volta a acusar o conselho de administração de saber de todo esse cenário e de participar de quase todas as decisões que levaram à queima do caixa. “Todos esses indicadores não deixavam dúvida, então, sobre a iminente necessidade de novos aportes, para assegurar as atividades da companhia já em 2023”, disse.

Gutierrez afirma que o problema financeiro “era plenamente conhecido” pelo conselho de administração, pelo comitê financeiro e pelos acionistas controladores, “bem como pelo Sr. Sergio Rial, a despeito de ele ter negado esse fato em seu depoimento à CPI”, e que ouviu de Rial que os acionistas não tinham interesse em aportar novos recursos e nem buscar novos investidores porque isso “poderia causar uma diluição relevante de sua participação”.

Outro lado dos acionistas

A LTS Investments, empresa que reúne os investimentos de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira — os acionistas de referência — enviou nota na qual diz que as alegações do ex-CEO da Americanas Miguel Gutierrez não “refutam evidências de sua participação na fraude”.

A íntegra da nota assinada pela LTS Investments:

“As palavras assinadas pelo Sr. Miguel Gomes Pereira Sarmiento Gutierrez, proferidas quase oito meses após a divulgação do fato relevante que informava as inconsistências contábeis na Americanas SA (11/1) e depois de divulgado relatório da CPI sobre o caso na Câmara dos Deputados, não trazem qualquer prova de suas alegações nem refutam evidências de sua participação na fraude. As ilações de uma pessoa que deixou o país depois de ter tido um requerimento de participação à CPI aprovado não têm coerência com os fatos até agora expostos pelas autoridades, tampouco nenhuma prova apresentada pela companhia há três meses foi questionada até o presente momento. Os acionistas de referência sempre atuaram com o máximo de zelo e ética sobre a companhia, observando rigorosamente as normas e a legislação aplicável. Ainda assim, todos os acionistas da Americanas foram enganados por uma fraude ardilosa cujos malfeitores serão responsabilizados pelas autoridades competentes.”

Outro lado da Americanas

A Americanas, que está em recuperação com uma dívida superior a R$ 41 bilhões, enviou nota ao Valor, comentando as alegações do ex-CEO.

A seguir, a íntegra da nota:

“A Americanas refuta veementemente as argumentações apresentadas pelo senhor Miguel Gutierrez à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na véspera da apresentação do relatório final. A companhia reitera que o ex-dirigente da Americanas não contestou em nenhum momento os documentos e fatos apresentados à Comissão no dia 13 de junho, que demonstram a sua participação na fraude. A Americanas reitera que o relatório apresentado na Comissão Parlamentar de Inquérito em 13/06, baseado em documentos levantados pelo Comitê de Investigação Independente, além de documentos complementares identificados pela Administração e seus assessores jurídicos, indica que as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas, capitaneada pelo senhor Miguel Gutierrez. A Americanas confia na competência de todas as autoridades envolvidas nas apurações e investigações, reforça que é a maior interessada no esclarecimento dos fatos e irá responsabilizar judicialmente todos os envolvidos.”

Outro lado de Rial

O executivo Sergio Rial, que ficou por nove dias na cadeira de executivo-chefe (CEO) da Americanas e em 11 de janeiro divulgou “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões na varejista, enviou nota há pouco ao Valor, por meio de sua assessoria de imprensa. Ele “aguarda as providências cabíveis para a responsabilização dos autores da fraude bilionária a partir das delações já homologadas e da continuidade das investigações em curso”.

Rual preferiu não comentar as alegações de Miguel Gutierrez. Este enviou carta à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga o rombo bilionário na companhia. Gutierrez, que ficou 30 anos na Americanas, sendo 20 anos no comando, foi substituído por Rial no início deste ano.

Na carta à CPI Gutierrez diz que Rial foi contratado para o posto de CEO em maio de 2022, mas que o contrato ficou “sob sigilo”. Também diz que Rial mentiu à CPI ao dizer que os acionistas de referência — Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles — não tinham conhecimento dos graves problemas que a companhia enfrentava.

A seguir, a íntegra da nota enviada ao Valor:

"Não há comentários a serem feitos por Sergio Rial à carta do senhor Miguel Gutierrez. O economista, que agiu como denunciante de boa-fé ao comunicar as inconsistências contábeis da Americanas em 11 de janeiro de 2022, aguarda as providências cabíveis para a responsabilização dos autores da fraude bilionária a partir das delações já homologadas e da continuidade das investigações em curso."

Outro lado do comitê independente

O comitê independente da Americanas para investigar a fraude contábil afirmou nesta quarta-feira que tem “compromisso com a qualidade técnica” e rebateu os questionamentos do ex-CEO sobre sua suposta falta de independência.

O comitê refuta “qualquer insinuação de que estaria atuando a serviço dos acionistas de referência da companhia. Conforme já esclarecido no comunicado ao mercado divulgado pela Companhia em 28/07/2023, o Comitê é formado por membros independentes, especialistas em suas respectivas áreas, todos dotados de reputação ilibada”, afirmou em nota.

Também refuta a acusação feita por Gutierrez de que tentou ser ouvido três vezes sem sucesso. O comitê disse que informou ao ex-CEO em 28 de junho que a realização das entrevistas só ocorre após algumas diligências a nota. “A marcação da entrevista com tal indivíduo também estava sujeita à coordenação entre os diferentes patronos que o representam nas variadas frentes de defesa”, disse na nota.

A seguir, a íntegra da nota enviada ao Valor:

Em primeiro lugar, o Comitê refuta qualquer insinuação de que estaria atuando a serviço dos acionistas de referência da Companhia. Conforme já esclarecido no Comunicado ao Mercado divulgado pela Companhia em 28/07/2023, o Comitê é formado por membros independentes, especialistas em suas respectivas áreas, todos dotados de reputação ilibada. O mesmo se aplica à equipe de investigação contratada pelo Comitê (“Equipe de Investigação”). Os trabalhos, que envolvem a identificação de condutas ilícitas continuadas, estão sendo conduzidos de acordo com as melhores práticas internacionais, em um contexto complexo. O Comitê gostaria, assim, de reiterar sua independência e seu compromisso com a qualidade técnica.

Além disso, o Comitê aproveita para esclarecer as assertivas ligadas às supostas tentativas de contatos efetuadas pelo Sr. Miguel Gutierrez com o Comitê. De fato, os representantes do Sr. Gutierrez entraram em contato com o Comitê com o intuito de agendar uma entrevista. Como é de conhecimento dos representantes do Sr. Gutierrez, e conforme correspondência a eles enviada, datada de 28/06/2023, a realização de entrevistas em uma investigação externa independente segue uma metodologia própria, que implica que o indivíduo em questão seja ouvido apenas após realizadas determinadas diligências. A marcação da entrevista com tal indivíduo também estava sujeita à coordenação entre os diferentes patronos que o representam nas variadas frentes de defesa – fato que não pode ser imputável ao Comitê ou à Equipe de Investigação. De todo modo, a Equipe de Investigação segue tomando as medidas necessárias para viabilizar a entrevista.

Miguel Gutierrez — Foto: Reprodução
Miguel Gutierrez — Foto: Reprodução
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