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Prigozhin morreu. Putin tem mais a ganhar ou a perder com isto?

O chef tornado mercenário, que se tornou próximo do Kremlin, morreu em circunstâncias por apurar. Vladimir Putin pode agora acabar de vez com a contestação interna ou enfrentar a "vingança" da Wagner.

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O líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, tinha acabado de chegar de África. Na manhã desta quarta-feira, encontrou-se com responsáveis da Câmara Municipal de Moscovo, para explorar possíveis novos contratos públicos com a sua empresa de catering, a Concorde. “Prigozhin não aprendeu nada”, comentaram duas fontes próximas do Kremlin ao site russo independente Meduza.

Depois de ter, precisamente dois meses antes, liderado uma tentativa de rebelião contra o poder político, o líder dos mercenários da Wagner continuava a insistir em manter o seu papel dentro da Rússia. “Ele tem tanta coisa a acontecer em África, faz negócios com as lideranças de Estados africanos e até agora ninguém interferiu com isso ou o empurrou”, comentava uma das mesmas fontes ao jornal. “Por que é que ele precisa de contratos para cantinas escolares tendo em conta o risco?”

O risco era o de ser interpretado como um desafio direto a Vladimir Putin. Afinal, a tentativa de rebelião tinha sido acalmada com um acordo que previa o exílio de Prigozhin — em tempos apelidado de “chef de Putin” pelos seus negócios na restauração e proximidade ao Presidente russo — na Bielorrússia. Mas ele ali continuava, a passear-se entre Moscovo e São Petersburgo.

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Prigozhin levou a cabo uma tentativa de rebelião, mas não foi imediatamente castigado

Anadolu Agency via Getty Images

Tudo terminou, porém, na tarde desta mesma quarta-feira. Ao final do dia, as notícias surgiram em catadupa: o avião em que Prigozhin seguia tinha caído. Horas depois, vinha a confirmação, pela própria Agência Federal dos Transportes Aéreos: o mercenário era um dos 10 passageiros que seguia a bordo. Todos tinham morrido.

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[Já saiu: pode ouvir aqui o terceiro episódio da série em podcast “Um Espião no Kremlin”, a história escondida de como Putin montou uma teia de poder e guerra. Pode ainda ouvir o primeiro episódio aqui e o segundo episódio aqui]

Não tardou a que muitos especulassem abertamente sobre a possibilidade de o avião ter sido abatido a mando do próprio Putin, como forma de retaliação pelo motim de junho. A velha história sobre como o Presidente comentou uma vez com um jornalista que um traidor “é pior” do que um inimigo enformava todas as teorias. Essa visão era alimentada pela acusação quase imediata, de contas de Telegram próximas da Wagner, de que o avião teria sido abatido pelo sistema de defesa anti-aéreo russo. Um responsável ocidental confirmou a mesma informação ao Financial Times. “Putin não faz prisioneiros”, acrescentou a fonte.

Mas no Telegram russo também abundam as teses de que este poderá ter sido um ataque por parte de Kiev, no coração político da Rússia. E sobra sempre, é claro, a possibilidade de tudo não ter passado de um acidente. “Provavelmente nunca saberemos a verdadeira razão da queda”, comentou com o Washington Post Keir Giles, analista da Chatham House. “É tão politicamente significativo que não há hipóteses de haver uma investigação transparente ou credível.”

As vantagens: reforço do regime e controlo sobre as vozes críticas

Seja qual for a origem da morte de Prigozhin, o mais certo é que as suspeitas se colem à pele de Vladimir Putin. Isto porque ele é um dos principais beneficiados com este desaparecimento e porque teria motivos para desejar que o seu antigo aliado, que conhece há mais de 20 anos, desaparecesse.

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A relação entre Vladimir Putin e Yevgeny Prigozhin sempre foi de proximidade

SPUTNIK/AFP via Getty Images

A tentativa de rebelião de Prigozhin enfraqueceu a imagem do Presidente russo, que, por momentos, pareceu não ter mão sobre a até ali subserviente Wagner. “Prigozhin provou que na Rússia é possível capturar uma cidade de um milhão de pessoas sem disparar um tiro e depois andar até Moscovo sem encontrar resistência”, resumia dois dias depois o colunista Maxim Trudolyubov.

Agora, com as suspeitas de envolvimento do Kremlin na morte do líder dos mercenários, o Presidente russo reconquista a imagem de implacabilidade e deixa um aviso àqueles que ainda ousavam poder fazer-lhe frente dentro do Kremlin. Se Putin for responsável, esse é um sinal de que “o regime está estável a reforçar-se”, avisou Janis Garisons, secretário de Estado da Defesa da Letónia, citada pelo Washington Post.

E esse sinal é reforçado pelo facto de ser acompanhado de notícias de que o general Sergei Surovikin — que não era visto em público depois do motim de Prigozhin, que alegadamente apoiou — foi demitido do comando da Força Aérea.

A verdade é que, desde a rebelião, Putin já estava a tentar controlar as vozes dissidentes da área próxima de Prigozhin. Alguns dos maiores críticos pertencentes ao chamado “partido da guerra” — a fação mais radical que deseja um endurecimento da guerra na Ucrânia — foram afastados nos últimos dois meses, como Igor Girkin, o veterano dos serviços secretos que assumiu posições nas repúblicas pró-russas Donbass antes da invasão de larga escala, que foi detido. “Em vez de marchas em massa, só algumas centenas se atreveram a aparecer à porta do tribunal de Moscovo onde Girkin estava a ser ouvido”, notaram os jornalistas russos Irina Borogan e Andrei Soldatov.

O ex-agente dos Serviços Federais de Segurança da Rússia (FSB) Igor Girkin, que foi condenado pela justiça pelo abate do voo MH17 da Malysia Airlines em 2014, e que recentemente se tornou crítico do Kremlin, foi detido hoje na Rússia.

Igor Girkin, conhecido crítico pró-guerra de Putin, foi detido recentemente

Com a morte de Prigozhin, pode tornar-se ainda mais fácil esmagar estas vozes críticas. E, se isso não resultar, não é de excluir a possibilidade de que o Kremlin venha a responsabilizar diretamente a Ucrânia pelo incidente, o que mobilizaria este grupo em torno de Putin num eventual endurecimento do esforço de guerra.

As desvantagens: a “vingança” da Wagner e o trunfo de África

Mas é claro que nada é assim tão simples. Se Putin pode ganhar com a morte de Prigozhin, também pode perder. E as ameaças não tardaram: “Há muita conversa agora sobre o que o grupo Wagner fará. Podemos dizer apenas uma coisa. Estamos apenas a começar, preparem-se”, disseram poucas horas depois alguns soldados da Wagner que estão na Bielorrússia, num vídeo divulgado nas redes sociais.

O sentimento de revolta pela morte de Prigozhin entre as fileiras da Wagner pode alastrar-se a partes do Exército russo. “Se ele tiver mesmo morrido, vou pegar nas minhas coisas, não preciso desta guerra de merda”, desabafou o soldado Egor Guzenko quase no imediato, como notou o The Guardian.

A força da Wagner para reagir, contudo, é uma incógnita. Na sequência da rebelião, os envolvidos foram convidados por Putin a juntarem-se às Forças Armadas regulares e a serem amnistiados ou a partirem para o exílio com Prigozhin. Não é claro quantos escolheram ficar com ele: o Reino Unido estima que serão cerca de oito mil, mas que nem todos terão ido para a Bielorrússia, segundo o Meduza.

E os que ficaram têm, neste momento, uma organização sem liderança aparente. É que Prigozhin não foi o único rosto da Wagner a morrer esta quarta-feira: a bordo seguiam também Dmitry Utkin, o fundador que emprestou a sua alcunha de guerra (obtida pelas suas simpatias nazis) ao grupo, e Valeriy Chekalov, associado de Prigozhin na Concorde e na Wagner.

Prigozhin em África, continente onde a Wagner tem operações

Num possível braço-de-ferro futuro entre a Wagner e Putin, o principal trunfo dos mercenários é a sua presença de relevo em vários países africanos. Sabendo disso, o Kremlin passou os últimos meses a tentar transferir a influência da Wagner no continente para o controlo do Ministério da Defesa russo: o Instituto para o Estudo da Guerra dizia mesmo no seu relatório mais recente que o Ministério de Sergei Shoigu enviou um representante para a Líbia na segunda-feira, para discutir esta transferência.

Formalmente, porém, Moscovo já havia confirmado que a Wagner continuaria a operar em países como o Mali e a República Centro Africana. E o próprio Prigozhin gabara-se recentemente de que, se retirasse os seus soldados de alguns territórios africanos, “muitos países deixam simplesmente de existir”. Por isso, ninguém sabe ao certo qual a força de que a Wagner ainda dispõe num possível confronto futuro.

Kremlin confiante de que Prigozhin foi apenas “herói momentâneo”

Muitas destas alianças em África assentavam precisamente em acordos pessoais entre o antigo cozinheiro e os chefes de Estado africano. Ele era o rosto, o relações públicas, o financiador e o motivador das tropas — sem ele, consegue a Wagner não só sobreviver, como desafiar Putin?

epa10778789 Russian President Vladimir Putin (L) attends a meeting with Russian State Duma Chairman Vyacheslav Volodin at the Kremlin in Moscow, Russia, 31 July 2023.  EPA/ALEXANDER KAZAKOV / SPUTNIK / KREMLIN POOL

Putin já disse no passado que não tolera traições

ALEXANDER KAZAKOV / SPUTNIK / KREMLIN POOL/EPA

O Kremlin parece estar confiante que não. “Ele já nem sequer está no radar [das sondagens]. Foi um herói momentâneo”, apontou uma fonte ao Meduza no rescaldo da queda do avião, destacando como, nos estudos de opinião mais recentes do Centro Levada, Prigozhin já não faz parte do top 10 de figuras políticas mais populares.

Horas depois da morte de Yevgeny Prigozhin, já de madrugada, os media estatais russos ditavam o tom. No telejornal do Canal 1, a notícia da sua morte foi a 14.ª de um alinhamento de 17 peças, como notou o correspondente do The Times em Moscovo, Marc Bennetts. O site do jornal Izvestia, que pertence à empresa estatal Gazprom, tinha como manchete uma grande fotografia de Putin a propósito da sua visita à região de Kursk. O título da notícia sobre a queda do avião onde seguia Prigozhin, um pouco mais abaixo, nem sequer incluía o seu nome.

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