O Brasil perde US$ 7,75 bilhões (R$ 37,0 bilhões) por ano com o abuso fiscal praticado por empresas multinacionais e por milionários com contas no exterior, segundo publicação da Tax Justice Network, uma ONG britânica focada em questões tributárias.
Se as perdas não aumentarem, mas se tampouco houver progressos para reduzi-las, o prejuízo acumulado para o país em dez anos atingirá US$ 77,7 bilhões (R$ 370,4 bilhões).
Em seu relatório ‘O estado da Justiça fiscal 2023’, Tax Justice Network calcula que os países em todo o mundo perdem US$ 472 bilhões (R$ 2,25 trilhões) por causa do abuso fiscal internacional - podendo totalizar US$ 4,7 trilhões (R$ 22,4 trilhões) em dez anos.
No caso do Brasil, a estimativa vem diminuindo. Em 2021, a projeção era de perdas de US$ 8,16 bilhões. No relatório de 2020, o cálculo apontava prejuízo de US$ 14,6 bilhões aos cofres públicos do país com o abuso tributário praticado.
No geral, em todo o caso, a receita perdida pelo Brasil anualmente fica em torno de 10% do orçamento do setor de saúde no país.
Dos US$ 7,75 bilhões não coletados no Brasil, nada menos de US$ 7,5 bilhões correspondem a empresas multinacionais que transferem seus lucros para paraísos fiscais a fim de subdeclarar rendimentos obtidos no país e pagar menos impostos do que deveriam.
Por sua vez, cerca de US$ 250 milhões é perda resultante de ação de pessoas que ocultam suas fortunas em paraísos fiscais.
‘Sob a pressão de gigantes corporativos e dos super-ricos, nossos governos programaram esses sistemas para priorizar os mais ricos em detrimento de todo o resto, conectando jurisdições de sigilo e paraísos fiscais ao centro de nossa economia global’, diz Tax Justice Network, destacando que isso fomenta a desigualdade, estimula a corrupção, e fragiliza a democracia.
Nos últimos 10 anos, cerca de 140 países negociaram uma grande reforma do sistema tributário internacional sob a coordenação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE). Mas a conclusão da ONG é de fiasco, pelo que considera incapacidade da OCDE para encontrar soluções políticas sem que seus países membros, que tem sede de boa parte das multis, diluam as medidas até agora.
A maioria das soluções significativas que a OCDE tem tentado impulsionar se baseiam em plataforma de política da justiça fiscal, como a informação país por país, intercambio automático de informação sobre contas financeiras, tributação unitária e um imposto mínimo global de 15%. Mas a ONG avalia que essas políticas ficam em grande medida ‘desdentadas’’ sob a influencia de alguns países que se encontram entre os maiores paraísos fiscais.
A OCDE recentemente passou a estimar um menor ganho adicional de receita, com a reforma em negociação. Antes, mencionava cerca de US$ 250 bilhões de receita suplementar; agora, US$ 200 bilhões. Mas mesmo isso é considerado incerto, diante da complexidade das medidas propostas, segundo a ONG.
Em novembro do ano passado, países reunidos na Assembleia Geral das Nações Unidas concordaram de forma unânime em iniciar discussões intergovernamentais sobre uma convenção fiscal, que poderia definir ‘normas poderosas e estabelecer um órgão globalmente inclusivo para a definição de regras fiscais sob os auspícios da ONU’.
Em setembro próximo, o secretário-geral das Nações Unidas, Antônio Guterres, publicará um relatório que avaliará as opções para um novo marco de cooperação fiscal internacional sob os auspícios da ONU. A expectativa é de que alguns Estados-Membros apresentem uma resolução para dar início a negociações formais. No entanto, nos círculos da OCDE a iniciativa é vista como bastante improvável. Se no G20, grupo das maiores economias, a reforma tem sido bastante ‘calibrada’, dificilmente ocorrerá algo ambicioso na ONU com mais de 180 países.
Em seu novo relatório, a Tax Justice Network confirma que o maior componente das perdas fiscais globalmente continua a ser o abuso fiscal transnacional das multinacionais. As multis são responsáveis por cerca de um terço da produção econômica mundial, metade das exportações mundiais e quase um quarto do emprego mundial.
A ONG diz que utilizou o terceiro ano de dados agregados dos relatórios país por país, publicados com um atraso significativo pela OCDE, para demonstrar que as empresas multinacionais estão transferindo anualmente lucros no valor de US$1,1 trilhões para paraísos fiscais. Isso faz com que os governos de todo o mundo percam US$301 bilhões por ano em receitas fiscais diretas do desalinhamento entre a localização dos lucros e a localização da atividade econômica produtiva.
As perdas indiretas, ou custos de spillover, surgem quando os governos reduzem as alíquotas legais e efetivas do imposto sobre as pessoas júridicas para compensar as perdas diretas do abuso do imposto sobre as sociedades, com a ‘convicção equivocada’ de que isso atrairá investimento. Segundo Tax Justice Network, pesquisadores do Fundo Monetário Internacional (FMI) estimam que, a nível mundial, as perdas indiretas causadas por abuso do imposto sobre as firmas são, pelo menos, três vezes superiores às perdas diretas. Um ajuste semelhante, neste caso, implicaria prejuízos globais de cerca de US$1 trilhão a cada ano.
O Reino Unido e os seus territórios dependentes (também conhecidos como o “segundo império” do Reino Unido) são responsáveis por 24% do abuso tributário das empresas. O “eixo da elisão fiscal” (o Reino Unido e o seu segundo império, os Países Baixos, o Luxemburgo e a Suíça) são responsáveis, em conjunto, por 50%. No total, os países membros da OCDE e as suas dependências são responsáveis por 7 de cada dez dólares perdidos, na estimativa publicada.
O sigilo financeiro continua a ser uma caraterística determinante das finanças offshore - e todo o lugar pode ser ‘offshore’ para o resto do mundo, diz Tax Justice Network. Conclui que as principais jurisdições de sigilo não são pequenas ilhas tropicais, mas sim grandes economias. No topo do Índice de Sigilo Financeiro de 2022 estão os Estados Unidos, seguidos pela Suíça.
O mundo perde US$171 bilhões por ano devido à evasão fiscal offshore relacionada apenas com a riqueza financeira. O Reino Unido e o seu segundo império são responsáveis por 50% desta perda. O eixo da evasão fiscal é responsável por 65%. No total, os países membros da OCDE e as suas dependências são responsáveis por mais de 9 de cada 10 dólares perdidos.