Vacina contra câncer de pâncreas se mostra promissora em teste

Usando mRNA adaptado ao tumor de cada paciente, a vacina pode ter evitado o retorno de uma das formas mais letais do tumor em metade das pessoas que a receberam

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Benjamim Mueller
The New York Times

Cinco anos atrás, um pequeno grupo de cientistas do câncer reunidos no restaurante de um hospital religioso desconsagrado em Mainz, na Alemanha, elaborou um plano audacioso: eles testariam sua nova vacina contra uma das formas mais virulentas de câncer, notória por retornar com força mesmo em pacientes cujos tumores tinham sido removidos.

A vacina poderia não conter essas recaídas, alguns dos cientistas imaginaram. Mas os pacientes estavam desesperados. E a velocidade com que a doença, o câncer pancreático, muitas vezes reaparecia, poderia ser uma vantagem para os cientistas: para o bem ou para o mal, eles logo descobririam se a vacina ajudou.

Uma micrografia eletrônica de varredura colorida de células cancerosas do pâncreas
Uma micrografia eletrônica de varredura colorida de células cancerígenas no pâncreas - Steve Gschmeissner/Science Source

Na quarta-feira (10), cientistas relataram resultados que contestaram as probabilidades. A vacina provocou uma resposta imune em metade dos pacientes tratados, e estes não apresentaram recidiva do câncer durante o estudo –descoberta que especialistas externos descreveram como extremamente promissora.

O estudo, publicado na Nature, foi um marco no movimento de anos para criar vacinas contra o câncer sob medida para os tumores de pacientes individuais.

Pesquisadores do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, liderados pelo doutor Vinod Balachandran, extraíram tumores de pacientes e enviaram amostras deles para a Alemanha. Lá, cientistas da BioNTech, empresa que produziu com a Pfizer uma vacina para Covid de grande sucesso, analisaram a composição genética de certas proteínas na superfície das células cancerígenas.

Usando esses dados genéticos, os cientistas da BioNTech produziram vacinas projetadas para ensinar o sistema imunológico de cada paciente a atacar os tumores. Como as vacinas de Covid da BioNTech, as vacinas personalizadas contra o câncer dependiam do RNA mensageiro. Nesse caso, elas instruíram as células dos pacientes a produzir algumas das mesmas proteínas encontradas em seus tumores extirpados, potencialmente provocando uma resposta imune que seria útil contra células cancerígenas reais.

"Este é o primeiro sucesso demonstrável –e vou chamá-lo de sucesso, apesar da natureza preliminar do estudo– de uma vacina de mRNA em câncer de pâncreas", disse o doutor Anirban Maitra, especialista na doença no Anderson Cancer Center da Universidade do Texas MD, que não participou do estudo. "Por esse padrão, é um marco."

O estudo foi pequeno: apenas 16 pacientes, todos brancos, receberam a vacina, parte de um tratamento que incluía quimioterapia e um medicamento destinado a impedir que os tumores escapassem da resposta imune das pessoas. E o estudo não pôde descartar totalmente que outros fatores além da vacina contribuíram para melhores resultados em alguns pacientes.

"É relativamente cedo", disse o doutor Patrick Ott, do Dana-Farber Cancer Institute.

Além disso, "o custo é uma grande barreira para que esses tipos de vacinas sejam mais amplamente utilizados", disse a doutora Neeha Zaidi, especialista em câncer pancreático da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins. Isso poderia criar disparidades no acesso.

Mas o simples fato de os cientistas poderem criar, verificar a qualidade e distribuir vacinas personalizadas contra o câncer tão rapidamente –os pacientes começaram o tratamento por via intravenosa cerca de nove semanas após a remoção dos tumores– era um sinal promissor, disseram os especialistas.

Desde o início do estudo, em dezembro de 2019, a BioNTech encurtou o processo para menos de seis semanas, disse o doutor Ugur Sahin, cofundador da empresa, que trabalhou no estudo. Futuramente, a companhia pretende produzir as vacinas em quatro semanas.

Em pacientes que pareceram não responder à vacina, o câncer tendeu a retornar cerca de 13 meses após a cirurgia. Os pacientes que responderam, entretanto, não mostraram sinais de recaída durante os cerca de 18 meses em que foram acompanhados.

Os cientistas têm dificuldade há décadas para criar vacinas contra o câncer, em parte porque eles treinavam o sistema imunológico com proteínas encontradas em tumores e células normais.

A adaptação das vacinas para proteínas mutantes encontradas apenas em células cancerígenas, no entanto, possivelmente ajudou a provocar respostas imunes mais fortes e abriu novos caminhos para o tratamento de qualquer paciente com a doença, disse Ira Mellman, vice-presidente de imunologia do câncer da Genentech, que desenvolveu a vacina contra o câncer pancreático com a BioNTech.

"Apenas estabelecer a prova de conceito de que as vacinas contra câncer podem realmente fazer alguma coisa, depois de talvez 30 anos de fracasso, provavelmente não é uma coisa ruim", disse Mellman. "Vamos partir daí."

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