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Justiça dos EUA indicia Trump criminalmente em caso de atriz pornô

Caso tem relação com pagamento de suborno a Stormy Daniels e pode mexer no xadrez eleitoral americano

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Washington

Donald Trump é o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos indiciado por um crime, após decisão desta quinta-feira (30) da Justiça de Nova York.

Em meio a uma pré-campanha à eleição presidencial do ano que vem, o republicano poderá ser detido para que as autoridades façam uma foto sua e colham suas impressões digitais no caso que apura seu envolvimento na compra do silêncio de uma atriz pornô com quem supostamente teve um caso.

O ex-presidente dos EUA Donald Trump durante comício no Texas
O ex-presidente dos EUA Donald Trump durante comício no Texas - Brandon Bell - 25.mar.23/Getty Images via AFP

O indiciamento sem precedentes ocorre após dias de especulação e ainda não foi anunciado formalmente, o que deve acontecer na próxima semana, quando ficará claro exatamente por quais suspeitas de crime Trump está sendo acusado. O próprio ex-presidente chegou a escrever em rede social que seria preso na semana passada e convocou a militância para protestos em massa, que não se concretizaram.

No caso em questão, Trump teria pago pelo silêncio da atriz pornô Stormy Daniels durante a campanha de 2016, quando ela afirmava que teve um caso com o então candidato anos antes. O montante, de US$ 130 mil (R$ 662,2 mil), foi pago pelo advogado Michael Cohen e reembolsado no ano seguinte por Trump que, já na Casa Branca, registrou a despesa como gasto jurídico. A suspeita da promotoria é de que o pagamento se tratou de um gasto de campanha não declarado.

Um "grande júri especial" —espécie de júri popular que não tem o poder de condenar ou absolver alguém, mas analisa as provas apresentadas por um promotor e determina se há evidência suficiente para seguir com o processo criminal— considerou que o material apresentado pelo promotor Alvin L. Bragg, de Manhattan, é robusto o suficiente e que agora Trump deve responder à Justiça.

O episódio chamou a atenção por ser, em comparação com as demais investigações judiciais que podem levar Trump ao banco dos réus, um dos mais banais. Diferentes instâncias nos EUA, afinal, investigam a tentativa de fraude no resultado das eleições de 2020, quando o republicano perdeu para Joe Biden, sua responsabilidade no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 e o fato de ter levado para casa documentos secretos do governo após deixar a Presidência.

O assessor sênior de Trump Jason Miller afirmou à Folha que o caso "é uma caça às bruxas política, e Trump é completamente inocente".

Em comunicado nesta quinta, Trump afirmou que o indiciamento "é perseguição política e interferência na eleição no nível mais alto na história" para destruir o movimento trumpista. Ele também dirigiu ataques ao promotor Bragg, como já vinha fazendo há semanas. "Em vez de impedir a onda de crimes sem precedentes que toma conta da cidade de Nova York, ele está fazendo o trabalho sujo de Joe Biden, ignorando assassinatos, roubos e agressões nos quais ele deveria se concentrar."

Bragg também é responsável pelo caso em que as Organizações Trump foram condenadas por um esquema de fraudes fiscais e falsificação de registros. Seu gabinete disse que entrou em contato com os advogados para coordenar uma rendição —o que deve acontecer no início da próxima semana.

Mais tarde, Trump fez um apelo a seus apoiadores para levantar fundos para sua defesa. De acordo com sua equipe, foram arrecadados mais de US$ 2 milhões desde que o ex-presidente convenceu seus seguidores de que estava prestes a ser preso.

Mesmo com o recente revés, ele não será impedido de concorrer novamente à Casa Branca. Isso porque os EUA não têm uma lei equivalente à Ficha Limpa, por exemplo, que impede no Brasil a candidatura de pessoas condenadas por um órgão colegiado (mais de um juiz), que tiveram o mandato cassado ou renunciaram para evitar a cassação.

A única maneira de tirá-lo da corrida seria caso ele seja condenado por insurreição nas investigações envolvendo o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro. A 14ª Emenda da Constituição proíbe de ocupar qualquer cargo civil ou militar em governos federal ou estadual quem "tiver se envolvido em uma insurreição ou rebelião" contra o governo.

Michael Cohen, ex-advogado que testemunhou contra Trump no caso, disse nesta quinta ser bom lembrar do ditado de que ninguém está acima da lei. "Nem mesmo um ex-presidente."

O caso da atriz pornô já havia sido analisado por procuradores federais em 2018, quando todo o escândalo veio à tona, bem como o de outra modelo que teria recebido US$ 150 mil (cerca de R$ 764 mil) para não revelar uma relação com Trump. Os investigadores consideraram o episódio uma violação das regras de financiamento de campanha, e Cohen se declarou culpado. Procuradores chegaram a escrever que o advogado "agiu em coordenação e sob direção" do então presidente, mas Trump nunca foi processado.

Em 2021, o caso foi retomado por um promotor de Manhattan, Mark Pomerantz, que quis investigar a violação de leis estaduais pelas Organizações Trump ao supostamente falsificar registros comerciais da empresa, mas foi abandonado. Agora, foi retomado mais uma vez, o que rendeu o apelido de "caso zumbi".

O indiciamento esquenta a corrida eleitoral e pode aglutinar apoio ao ex-presidente, que já é favorito para obter a indicação do Partido Republicano na eleição à Casa Branca do ano que vem. Ele já disse a aliados que quer transformar o indiciamento em um "espetáculo" e que pretende usar algemas em uma possível detenção, em uma tentativa de obter apoio político.

Nesta quinta, outra pré-candidata republicana, Kari Lake, chamou a promotoria de Manhattan de "esquerdistas radicais" e afirmou que este é um "momento das trevas na história" dos Estados Unidos.

O principal adversário do ex-presidente, o governador da Flórida Ron DeSantis, nos últimos dias até condenou a ação em Nova York, mas aproveitou para alfinetar dizendo que tem "problemas de verdade para lidar na Flórida" —o que gerou uma enxurrada de críticas das alas mais trumpistas do partido.

Nesta quinta, porém, disse que seu estado não vai atender a um possível pedido de extradição contra Trump "dadas as circunstâncias questionáveis" da decisão. "O uso do sistema legal como arma para fazer avançar uma agenda política vira o Estado de Direito de cabeça para baixo. É antiamericano", afirmou.

Por outro lado, há dúvidas sobre o impacto do indiciamento na opinião pública, depois de uma eleição de meio de mandato já considerada ruim para os candidatos radicais republicanos. Uma pesquisa da Universidade Quinnipiac divulgada na quarta (29) apontou que 57% dos americanos consideram que o processo deveria impedir Trump de concorrer de novo, contra 38% que rejeitaram essa possibilidade.

Mesmo entre os democratas, porém, há quem critique o processo envolvendo a atriz pornô, justamente porque ele é considerado mais banal do que outros que têm o ex-presidente como alvo. O senador Joe Manchin, o parlamentar mais conservador do partido de Biden, condenou o processo ao dizer que "há muitas razões pelas quais Donald Trump não deveria ser presidente dos EUA novamente, mas não se deve permitir que o sistema judicial seja visto basicamente como um peão político."

Em agosto, uma operação de busca e apreensão do FBI, na casa de Trump na Flórida encontrou caixas com mais de 11 mil documentos e fotografias, incluindo 18 classificados de ultrassecretos, 54 secretos e 31 confidenciais, com informações de inteligência sobre países adversários dos EUA como Irã e China. Trump passou a ser investigado, e o caso tem avançado. Procuradores de Washington apresentaram à Justiça provas com anotações, recibos e transcrições de áudio de que o ex-presidente cometeu crimes e deliberadamente passou informações falsas a seus advogados sobre o episódio.

Outra investigação criminal que avança contra Trump é a que apura a tentativa de fraude na Geórgia em 2020, estado onde Biden venceu por margem estreita. Trump ligou para o secretário de Estado local, responsável pelo controle do pleito, e o pressionou expressamente: "Tudo o que quero é isso: encontrar 11.780 votos, um a mais do que temos [de diferença]. Porque nós ganhamos a Geórgia". Houve três contagens de votos que confirmaram a vitória de Biden no estado. No ano passado, um juiz afirmou que as alegações eram não só falsas, como Trump sabia que eram falsas e mesmo assim decidiu mantê-las.

No último dia 20, advogados de Trump pediram à Justiça na Geórgia para anular o relatório final do júri que analisa se as provas são suficientes ou não para indiciar alguém. Os advogados argumentaram que os processos são "confusos, falsos e descaradamente inconstitucionais", e pediram que o promotor do distrito de Fulton, onde fica a capital Atlanta, seja removido do caso.

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