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Luís Cabral esteve na AESE Business School a falar dos problemas de crescimento da economia portuguesa
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Luís Cabral esteve na AESE Business School a falar dos problemas de crescimento da economia portuguesa

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Luís Cabral esteve na AESE Business School a falar dos problemas de crescimento da economia portuguesa

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Luís Cabral: TAP pública "é um imposto pago pelo português médio que beneficia as classes de rendimentos mais elevados"

O professor de Economia, em entrevista ao Observador, realça a necessidade de se repensar o turismo e questiona a opção estratégica de se ter uma TAP pública.

Analisa Portugal em grande parte com o olho de economistas. Sugere acordos de regime entre os maiores partidos políticos em várias áreas, como a justiça, educação, saúde, habitação, para não se mudarem as regras cada vez que há alteração do Governo. Luís Cabral, professor de Economia na Universidade de Nova Iorque, veio a Portugal, enquanto colaborador na AESE Business School, para apresentar a sessão “Por que motivo não cresce a economia portuguesa?”, na primeira edição de 2024 do Observatório de Economia & Finanças.

Em entrevista ao Observador fala dos problemas de oferta na habitação e revela que as suas preferências para a reforma fiscal passariam por tributar menos o trabalho, o que podia carregar mais nos impostos sobre as empresas. Ainda assim, também acredita que é altura de se pensar na subsidiação fiscal aos estrangeiros. Portugal tem o que chama poder de marca e deve aproveitá-lo.

No seu olhar sobre o país, também vai dizendo que o turismo tem de ser repensado. Passar do turismo 1.0 para o turismo 2.0, de maior valor. Da mesma forma não percebe o valor estratégico do Estado deter a TAP. “É um imposto pago pelo português médio que beneficia portugueses de classes de rendimentos mais elevados”.

Para Luís Cabral, que sempre defendeu a opção de existirem concursos públicos internacionais na escolha de reguladores, “há uma pressão política muito grande contra isso”, considera, voltando a apontar o dedo para as portas giratórias, nomeadamente da magistratura para a política.

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Oiça aqui a entrevista a Luís Cabral

Turismo “é um recurso natural que cria distorção”

As razões do não crescimento da economia portuguesa é o tema que o traz a Portugal. Um tema que dava para uma tese de licenciatura. Há uma razão principal ou são várias as razões?
São várias. É um bocadinho difícil dar uma única razão. As pessoas que estão à espera que eu tenha uma razão única vão ficar um pouco desiludidas, porque de facto é muito difícil. À medida que nós vamos pensando em vários setores de atividade encontramos razões diferentes. De forma que é mais interessante falar de várias razões, na medida em que afetam diferentes setores de atividade, do que falar de uma única razão, porque, de facto, acho que não existe.

Pode identificar duas ou três razões transversais que impeçam um maior crescimento da economia portuguesa?
Se tivesse de escolher algumas, não necessariamente por ordem da importância, diria a sobreregulação de alguns setores de atividade.

Como por exemplo?
Na habitação. É um setor que, como resultado da legislação europeia, mas também da nacional, sofreu, durante os últimos 20 anos, um acréscimo astronómico de diferentes formas de licenciamento, que criaram obrigatoriedades, planos de impacto e de toda uma série de passos necessários para a aprovação de nova construção, que levaram a que o custo efetivo, isto é, o custo que inclui todos estes processos que são necessários para conseguir começar e concluir um projeto de construção, são tão elevados que levaram a uma quebra enorme. É dos maiores elefantes na sala…

A falta de construção?
Temos uma taxa de construção que é mais ou menos 20% do que era há 15 anos.

"A liberalização no mercado de arrendamento, do Airbnb, etc., que é muitas vezes apontada como o bode expiatório do problema da habitação em Portugal, tem um efeito muito pequeno em relação ao choque da oferta que tivemos."
Luís Cabral, professor de Economia na NYU

E o problema da habitação é esse, a falta de oferta?
Claramente. Fala-se muito sobre o problema dos estrangeiros que estão a comprar as nossas casas, mas isso é não estar a olhar para aquele que é o grande elefante, que é o facto de se estar a construir a uma taxa que é um quinto do que era no princípio do século.

E o que é que contribui para isso, a fiscalidade ou a burocracia?
Não sei o que quer dizer com burocracia…

Os licenciamentos.
Eu diria os licenciamentos. Tanto pelo número de regras que é necessário cumprir, como pelos atrasos e pela dificuldade de conseguir passar todos esses passos. E digo isto falando com pessoas que estão no setor, não é por experiência pessoal, devo dizer. A única experiência que eu tenho é a de olhar para os números. Recentemente olhei para o recenseamento da habitação do INE, isto é, as casas que existem e que estão recenseadas quando é que foram construídas. Praticamente nada foi construído nos últimos 10 anos. Se nós olharmos para a taxa de construção que está subjacente ao parque habitacional português que temos neste momento, a taxa de construção de hoje é inferior ao que era antes da Segunda Guerra.

A falta de casas, nomeadamente nos grandes centros urbanos, não tem também razões populacionais? A oferta é menor e temos mais agregados, também não é por aí?
Sim, é um problema na procura. Mas uma quebra de 80% é muito grande, é um efeito, na minha opinião, quantitativamente mais importante do que a pressão da oferta. A liberalização no mercado de arrendamento, do Airbnb, etc., que é muitas vezes apontada como o bode expiatório do problema da habitação em Portugal, tem um efeito muito pequeno em relação ao choque da oferta que tivemos. Em segundo lugar, nem é evidente que isso tenha tido um saldo muito negativo, porque também criou um aumento da oferta, porque muitos quartos e apartamentos que não eram utilizados passaram a ser utilizados.

Mas não para arrendamento permanente.
Não estão a tirar muito, na minha opinião, ao mercado de arrendamento permanente, e estão a conseguir negócio, estão a conseguir exportação de serviços, estão a conseguir valor.

Portanto, não se deve restringir esse tipo de ofertas?
Eu acho que não.

Nova Iorque restringiu recentemente.
Nova Iorque tem um problema muito diferente. É um caso muito diferente, muito especial. Como eu digo, Nova Iorque não faz parte dos Estados Unidos. É uma cidade muito diferente, muito sui generis, por vários motivos. E, portanto, no que respeita à habitação, não é um exemplo para nada. Não é um termo de comparação muito útil. No caso português, acho que é tentar resolver o problema no sítio errado, não se vai conseguir. Não é por proibir o arrendamento temporário que vamos resolver o problema da habitação. É resolvendo o problema da oferta, que tem duas partes: a construção e os imóveis que não estão a ser utilizados, muitas das propriedade do Estado, das municipalidades. A reestruturação de todo o edifício legislativo, regulatório e de licenciamento que permita, nomeadamente no que respeita à habitação social, uma maior facilidade, essa parte de política da oferta é, na minha opinião, a que terá um efeito mais forte para a solução do problema da habitação. Não é tanto a questão de dar benefícios fiscais.

"Vamos ver o que é que o simplex da construção significa, porque, neste momento, são literalmente centenas e centenas de diferentes regulamentos"
Luís Cabral, professor de Economia na NYU

Fala-se muito da descida do IVA na construção.
Isso poderá ter algum efeito, mas eu acho que é de segunda ordem em relação ao mais importante, que é o problema da regulação da habitação. O ordenamento do território, o plano de impacte ambiental… todos esses objetivos que têm levado a todas essas medidas que são centenas, senão mesmo milhares, de pequenas regulamentações e regras de licenciamento no setor da construção, são todos muito bem intencionados. O problema é que, muitas vezes, quando criamos uma nova regulamentação, não temos em consideração o efeito nocivo que isso vai ter sobre a construção em si. Há um equivalente no setor fiscal, que é chamada Curva de Laffer… se vamos continuar a aumentar a taxa de imposto, chega a um ponto em que o rendimento fiscal até diminui, não aumenta porque causa do efeito sobre a base fiscal. No setor da construção temos uma espécie de Curva de Laffer.

Que papel é que deve ter o Estado neste mercado da habitação? Deve ter um parque público dimensionado para que tipo de procura?
O papel principal neste momento seria o de reestruturação de todo o processo de legislação e de licenciamento.

Simplex urbanístico dá “turbo” à construção (e acaba com os bidés). Setor diz que pode ser uma “revolução” mas há riscos

Foi recentemente alterado o processo, chama-se o simplex urbanístico.
Vamos ver que resultado é que isso tem. Sem estar a por o dedo num ou noutro governo, muitas vezes são mais pensos rápidos do que reformas estruturais. Por exemplo, a empresa na hora foi, de facto, um passo em frente, indiscutivelmente, mas depois qual o passo seguinte? Como dizia alguém, as autoestradas ajudam as pessoas a chegar mais depressa aos engarrafamentos em Lisboa. Mas continua a haver engarrafamentos em Lisboa. Não vão poupar muito tempo. O mesmo acontece aqui, a empresa na hora muito bem, mas eu tenho uma empresa no papel. E agora? Não quer dizer que não tenha sido uma boa ideia, de facto foi um passo importante, agora não é isso que vai solucionar. Portanto, vamos ver o que é que o simplex da construção significa, porque, neste momento, são literalmente centenas e centenas de diferentes regulamentos. Sinceramente não vi em que consiste esta proposta de simplificação, portanto, vamos ver se resulta ou não resulta.

Lei das ações populares pode ter efeito grande na justiça em Portugal

Falávamos sobre regulamentação desse setor em particular, mas estávamos a fazer o diagnóstico do que está a impedir o crescimento da economia portuguesa.
Isso é um fator que se aplica em alguns setores, como é o caso da habitação, mas não é o único. Um segundo fator, que é muito frequentemente apontado, é o problema da justiça em Portugal.

A morosidade da justiça?
A morosidade e o impacto económico que tem. As pessoas pensam nos megaprocessos, dos políticos e das corrupções, mas isso é um caso à parte. E o facto de eles durarem vários anos é mau, mas do ponto de vista económico, francamente, não é uma coisa que tenha um impacto muito negativo. Para os media é uma coisa boa, porque lhes dá mais que falar. Agora, para uma empresa, isto é terrível, porque uma empresa, no fim de contas, vai ter no seu passivo, de uma forma explícita, ou pelo menos implícita, o passivo de ter um caso em tribunal e de ser réu e de durar anos.

É a morosidade ou as custas judiciais?
Depende de caso para caso, às vezes é mais a questão das custas judiciais, outras vezes é simplesmente a questão da incerteza. Funcionar num clima de incerteza, não saber o que vai acontecer em relação a este caso, que se arrasta há vários anos. Até por uma questão psicológica. É difícil uma pessoa concentrar-se na sua atividade principal, que é de gerir uma empresa, de fazer crescer a empresa, de se focar no plano de estratégia da empresa, quando tem de tratar de cinco casos, um está há três anos, outro há quatro anos, outro desde o ano passado. E, portanto, a celeridade do processo judicial é um aspeto muito importante para a atividade económica, não só para as empresas portuguesas, como também para atrair investimento estrangeiro. Devo dizer que houve um progresso importante nos últimos anos, pelo menos olhando para as estatísticas judiciais.

Com a arbitragem?
Não só, mas até mesmo os processos de tribunal normais em que o número de processos pendentes baixou bastante, talvez para metade, em relação há uma década. Não tenho aqui os números certos, mas baixou qualquer coisa como de três ou quatro anos para dois anos, e portanto, dois anos é muito menos do que quatro. É metade. Portanto, houve um progresso muito grande, mas ainda há esse problema. Por outro lado, é ainda um bocadinho difícil de prever, mas o decreto-lei de dezembro do ano passado, que legisla as ações populares, nomeadamente no contexto de concorrência e defesa do consumidor, poderá vir a ter um choque muito forte.

Mas aí não entra a parte cultural, os portugueses queixam-se pouco?
Estas ações são feitas por empresas especializadas que as fazem como um modelo no negócio, muitas vezes até financiadas por terceiros. Portanto, tem toda a razão em relação à questão cultural, mas basta que haja um português que queira fazer isso. E de facto há. E eu estou convencido que isto vai ter um choque, tal como a reforma [na máquina] fiscal [da Autoridade Tributária] do Paulo Macedo, no governo de Durão Barroso, teve um impacto importante no sistema judicial. De facto, houve um aspeto muito positivo que foi a Autoridade Tributária ser mais agressiva, mas isto depois teve um efeito lateral, de pôr uma pressão muito grande no sistema judicial, e eu temo que venha a acontecer nos próximos anos e que venha a reverter todo este progresso que tem sido feito nos últimos anos em relação à maior celeridade do processo judicial português.

"Por padrões internacionais, Portugal não é um país com grandes problemas na independência... recentemente um bocadinho mais, porque começámos a ver mais portas giratórias, pessoas do sistema da magistratura a saltar para a política e vice versa."
Luís Cabral, professor de Economia na NYU

Já temos um caso em concreto, por causa do cartel dos camiões, em que entraram muitos processos por causa dessas ações, de private placement, é isso que está a dizer? Vão entrar muitas ações?
Eu suspeito que sim. Até porque muitas dessas ações vêm a cavalo, por assim dizer, da Autoridade da Concorrência. Não é uma coisa original, acontece muito nos Estados Unidos, é muito comum. Por exemplo, o Departamento de Justiça tem um caso de política de concorrência ou criminal em relação a uma empresa e imediatamente vem uma sociedade de advogados que faz a sua própria causa…

Mas aí há muito esses escritórios de advogado especializados em ações populares. Cá ainda não temos…
Ainda não. Mas já há sinais de que o decreto de dezembro vai ter um efeito importante, já está a ter um efeito importante. O problema da celeridade do sistema da justiça teve, de facto, melhorias nos últimos anos, mas ainda está longe de ser um sistema eficiente e há sinais de que poderá haver uma reversão no processo. Isso significa, na opinião do professor Nuno Garoupa — que é um dos pontos de referência que eu tenho para todas essas questões, porque ele tem pensado e tem escrito muito sobre o assunto –, que é um dos vários temas que, na minha opinião, exigiria um acordo de regime para a reforma estrutural do sistema. Não é apenas uma questão de pequenas alterações marginais, que são como pensos rápidos. Isto é um problema estrutural do sistema português, que tem implicações importantes…

Um acordo de regime para a justiça? Afunilou-se muito a questão da justiça na corrupção, no seu entender está errado esse afunilamento?
Não está errado, isso é um problema também importante. Há aqui três problemas em geral: independência, corrupção e eficiência. Se me perguntassem há 10, 15 anos, claramente eu diria que a eficiência é o pior. Também eu sou economista, portanto, tenho um certo enviesamento para isso. Na independência, eu até acho que, por padrões internacionais, Portugal não é um país com grandes problemas, recentemente um bocadinho mais, porque nós começámos a ver mais portas giratórias, pessoas do sistema da magistratura a saltar para a política e vice versa, e isso preocupa-me um pouco.

Isso está errado? No seu entender, é um problema?
É um problema que deveria ser mais limitado.

Ir da magistratura para ministros?
Também ir de políticos para comentadores políticos… De alguma forma, é inevitável, em muitos casos, por exemplo, as portas giratórias entre reguladores e empresas. Seria muito difícil, se não mesmo impossível, torná-lo totalmente impossível, porque às tantas já não há pessoas que cheguem, porque Portugal não é muito grande. Há maneiras de melhorar isso. Na minha opinião, no caso das reguladores seria haver concursos internacionais.

Governo não avança, como AD propunha, na contratação de reguladores por concurso

Sempre defendeu isso. A AD, que ganhou as eleições e está no governo, tinha falado inicialmente na possibilidade de haver concursos internacionais para os reguladores e deixou cair isso no programa de governo.
Há uma pressão política muito grande contra isso. Acho que é uma falsa interpretação de nacionalismo e de patriotismo, porque isso não é uma questão de não ser patriota, é precisamente porque nós queremos um Portugal melhor.

É uma questão de independência?
Independência, sim.

Quem não conhecer o país é mais independente nas suas funções?
É. Portugal é um país muito pequeno nesse sentido. Não só pequeno por ter 10 milhões de pessoas, mas também por ser muito estratificado em vários sentidos. No Estados Unidos, [Stanley] Milgram falava nos seis graus de separação, que era possível com seis graus de separação ligar duas pessoas quaisquer nos Estados Unidos. Em Portugal, basta um, dois quanto muito, um é um primo, ou colega, ou antigo colega, ou amigo do amigo, ou cunhado, isso gera alguns problemas.

Voltando um pouco atrás, qual é o risco de magistrados irem para ministros? E, depois de desempenharem funções no Governo, o que é que deviam fazer?
O risco da falta de independência é o problema de ser mais facilmente influenciável até subjetivamente, sem o querer, nas suas decisões. Aliás é o mesmo risco das portas giratórias entre reguladores e regulados. Esse é principalmente esse risco. Mas, como eu dizia, se eu tivesse a dizer entre independência, corrupção e eficiência, a independência e a corrupção nem seriam os principais problemas. É a eficiência.

Estamos sempre a falar da sobreregulamentação e burocracia, da justiça e da sua morosidade. O diagnóstico está feito. Há falta de vontade política para resolver esses assuntos?
Sim, há falta de vontade política e ainda uma certa mentalidade corporativa também. Há uma tradição em Portugal, que nem é do estado novo é até anterior, de muito corporativismo. No caso da magistratura, há uma certa mentalidade corporativa, há uma certa independência que é boa, mas também há um certo poder de mercado que pode não ser bom, é difícil forçar o sistema a ser mais eficiente. O único incentivo que têm é a opinião pública e a pressão. Os juízes não são pagos por processo.

Já se falou disso.
Nem sei se é a solução correta, já agora. Tem de ser uma solução estrutural, bem pensada, porque estas soluções mais específicas de olhar apenas para uma dimensão, para um fator, muitas vezes o tiro sai pela culatra, pois podem ter incentivos perversos. Nos Estados Unidos fez-se isso nas patentes, porque os especialistas de patentes eram muito lentos a aprová-las, então deu-se incentivos. Resultado: foram muitas as patentes que não deviam ter sido aprovadas, e depois isso pôs imenso peso no tribunal de patentes, começou a haver imensos casos a pedir para a patente ser considerada inválida porque viola outra patente. Então como é que esta patente foi aprovada em primeiro lugar? Porque havia um funcionário de patentes que era pago por cada patente. A minha coluna no Expresso é chamada incentivos e escolhas. É um princípio base da economia, as pessoas funcionam muito com base em incentivos extrínsecos. A motivação intrínseca também é muito importante, como é evidente, mas os incentivos extrínsecos são muito importantes, nomeadamente quando se tratam de decisões económicas. E, portanto, nós temos de tomar cuidado em como fazer isso. Não é um problema de solução fácil.

“Estado tem sido uma esponja de recursos e de crédito”

Estamos a falar das razões do não crescimento de Portugal. Mas sendo um país pequeno não há um limite para o PIB potencial? Se resolvermos esses problemas todos, podemos crescer até onde? Há um limite para o crescimento?
Falei de dois motivos pelos quais a economia portuguesa não cresce, mas não são os únicos. Vamos agora para um terceiro, que é uma questão em parte cultural, a de continuarmos a pensar que o mercado português é muito pequeno, e, portanto, nunca poderemos crescer muito. Ora, isso em algumas indústrias pode ser um fator importante, mas à medida que a economia vai sendo menos baseada nos setores primário e secundário e cada vez mais no setor terciário, que é cada vez mais um setor de base digital, é cada vez menos verdade. Eu gosto de dar muito do exemplo da arquitetura. Portugal é o segundo país com mais arquitetos per capita do mundo. Nós temos quase tantos arquitetos como a China em termos absolutos. Chegámos a ter 14 faculdades de arquitetura em Portugal, um exagero, foi um desastre completo. Se nós pensarmos no mercado português, principalmente com o nível de regulação que estamos agora, não se constrói nada, o que estão esses arquitetos a fazer?

Vão para fora.
Mas não têm de ir para fora. Ainda é uma coisa muito pontual, mas nós já temos vários escritórios de arquitetura que são sedeados em Portugal que exportam serviços de arquitetura. É pensar que o mercado de arquitetura não é o mercado português. Talvez há 50 ou 100 anos fosse, porque as comunicações eram muito piores, não havia concursos internacionais em nenhum país, não havia internet, não havia nada disso. [Hoje] Vemos arquitetos portugueses a fazer projetos pela Europa fora, pelo Médio Oriente, pelas Américas, China, onde não há arquitetos. E, portanto, parte disto é mentalidade, mas para que isto aconteça é preciso haver ambição. Há casos de sucesso em Portugal, mas em muitos setores há uma certa falta de ambição, porque as pessoas pensam que Portugal é um país pequeno. Muitas vezes pensam em fazer uma coisa para 50 quando poderiam fazer perfeitamente para 50 mil. Só que é uma mentalidade completamente diferente. Significa que tenho de saber concorrer a concursos internacionais, tenho de ter dimensão, não pode ser um escritório com dois arquitetos e mais três estudantes de arquitetura.

"Os investimentos estratégicos como a TAP, na minha opinião têm sido muitas vezes mal-pensados, porque não é óbvio de qual seja o aspeto estratégico."
Luís Cabral, professor de Economia na NYU

E tem de conhecer o mercado.
Tenho de conhecer o mercado, tenho de falar inglês, tenho de ter alguma experiência internacional.

Se os conseguirmos reter.
Ou fazê-los retornar. Muitas das pessoas que vão para o estrangeiro e trabalham lá 10 anos, pode ser um bom investimento, conseguir contactos, conseguir uma network que depois permita, a partir de Portugal, vender para o mercado internacional. Isso exige uma certa ambição, uma certa perspetiva de longo prazo. Há exceções em Portugal e, de facto, nós temos casos de sucesso de empresas que se tornaram em multinacionais de sucesso e que foram criadas em Portugal e concebidas em Portugal. Mas, na minha opinião, continuam a ser a exceção. Se compararmos Portugal com uma Bélgica, uma Suécia, uma Suíça, são países de dimensão semelhantes, mas que têm uma estrutura empresarial muito diferente e têm empresas com este tipo de ambição. Em Nova Iorque estou no conselho de um destes laboratórios de startups de tecnologia para empresas de todo mundo e é impressionante ver a atividade de empreendedorismo em hi-tech de Israel. É impressionante.

Mas esses têm acesso fácil a capitais e as nossas startups não têm tido.
Eles estão no nosso programa justamente porque não têm acesso a capital fácil em Israel. A situação em Israel não é assim tão fácil como possa parecer. É um mercado pequeno, tem todos os problemas de estabilidade que nós conhecemos, mas não tem acesso a financiamento facilmente, não, não. O que eles têm, de facto, é uma ligação aos Estados Unidos importante e por conseguinte a primeira coisa que fazem é falar com alguém nos Estados Unidos, tentar ver como é que se consegue financiamento lá, e usam muito essa ligação, mas claramente veem que a solução não é fazer uma coisa para o mercado de Israel.

Cá existe esse problema de acesso a capital. É um dos grandes problemas do setor empresarial.
Um grande problema. Isso está ligado ao outro problema estrutural de economia portuguesa. Isso pode parecer um clichê, mas é o peso que o Estado tem tido na economia. O Estado significa muitas coisas. Nós temos o Estado como produtor, temos o Estado como legislador, temos o Estado como juiz, temos o Estado como distribuidor de recursos e em vários aspetos. Eu diria, o Estado como produtor, setor público produtivo, é um dos grandes culpados pela falta de capital, de crédito em vários períodos da história. Tem sido uma esponja de recursos e de crédito. Temos a situação em que uma empresa portuguesa que é tão eficiente como uma empresa alemã paga o dobro em juros. Porque é que paga o dobro em juros? É que o crédito em Portugal é difícil de conseguir, porque estão a competir com um setor público produtivo que absorve muito o crédito. Para dar um exemplo, e já para não para falar de investimentos estratégicos como a TAP, que, na minha opinião, têm sido muitas vezes mal-pensados, porque não é óbvio de qual seja o aspeto estratégico.

Do Estado ter a TAP?
Estou a dar como exemplo, é um que se fala muito.

Mas acha que é porquê?
Isso tem muito a ver com ‘jobs for the boys and girls‘. Tem muito a ver com isso. Tem muito a ver com ter um certo poder.

Uma questão de poder, de ter dependentes, de gostar de fomentar a dependência?
Quando pergunto a uma pessoa porque é muito favorável a que o Estado mantenha a propriedade pública, não consigo obter uma resposta. Não consigo. E, de facto, para o português médio, já nem digo para um agricultor em Trás-os-Montes, o que é que ele beneficia com a TAP pública? Mas mesmo para uma pessoa da classe média, vai fazer as contas, em que é que beneficia, raramente anda de avião… Isto é uma forma de o contribuinte geral português subsidiar uma classe muito restrita de portugueses que vive em Lisboa e que viaja de avião.

E para a diáspora não é importante?
Eu sou diáspora também. Sim, tem razão. Mas é de uma injustiça redistributiva enormíssima, é um imposto pago pelo português médio que beneficia portugueses de classes de rendimentos mais elevados.

Ter 10 mil trabalhadores não devia entrar nessa equação?
Também entra, mas nós vamos ver que os custos de oportunidade desses empregos são enormíssimos. Nos Estados Unidos, quando houve a proteção ao setor do aço, alguém fez uma conta, e, na altura, há 30 anos, um emprego de um trabalhador médio na indústria de aço dos Estados Unidos custava aos contribuintes o equivalente a um salário de um CEO. Portanto, vale a pena ou não? Estavam a gastar várias vezes o salário que a pessoa ganhava no setor do aço, era o custo efetivo que estava a ser pago para manter aquele emprego. Eu percebo a importância do emprego, mas as coisas têm limites.

Luís Cabral esteve em Portugal para apresentar a sessão "Porque motivo não cresce a economia portuguesa?", no Observatório de Economia & Finanças da AESE Business

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

“Um recurso natural que cria alguma distorção para o investimento e a inovação em Portugal é o turismo”

Voltando atrás, Portugal devia olhar mais, no setor terciário, para a digitalização e para os mercados potenciados pela digitalização para poder crescer internamente, é isso?
Em relação a escolhas setoriais sou um pouco cético. Tenho conhecido muitos dos ministros da Economia e das Finanças, tenho muito boas referências, são normalmente pessoas muito inteligentes, muito bem preparadas, mas não consigo perceber como é que essa pessoa, mesmo com bons conselheiros, tem uma melhor ideia de quais são os melhores setores para investir do que os milhares de investidores que estão no terreno e que têm melhor informação. A função da liderança governamental é a de corrigir distorções do mercado.

E não escolher setores para privilegiar.
Exatamente. A não ser que haja, de facto, distorções que sejam setoriais. Está muito na moda falar da maldição dos recursos naturais. Mas, se há neste momento, um recurso natural que cria alguma distorção para o investimento e a inovação em Portugal é o turismo, porque o turismo é um setor em que é muito fácil, relativamente fácil, investir, tem um retorno relativamente imediato, são investimentos que criam empregos de muito baixa produtividade, nesse sentido, não é esse o setor que vai permitir terminar com o êxodo dos cérebros. Porque nós não conseguimos contratar portugueses para os restaurantes e para os hotéis.

Pelo contrário, temos de os contratar fora.
Na realidade, quando eu crio um restaurante novo, em boa parte o valor que vou conseguir, não é um valor líquido acrescentado à economia, vai ser tirado a outros restaurantes, basicamente. Estou a exagerar um bocadinho. Mas, nesse sentido, se tivesse de pensar em investimentos estratégicos não seria favorecer mais do mesmo no turismo. Ou seria mudar completamente o nível de qualidade do setor, tal como fizemos no calçado nos últimos 20 anos, isto é passar o turismo de 1.0 para 2.0, acrescentar valor, mudar completamente a noção de que não queremos estar a competir com outros países com praia e sol, mas queremos competir a outro nível completamente diferente, de experiências; ou então apostar em não apoiar tanto o investimento nesta área.

O que é certo é que o turismo tem sido um garante do crescimento da economia portuguesa?
De facto representa uma fração muito grande do PIB, mas depende dos indicadores que quer ver. Estamos a falar de exportações, mas do ponto de vista de emprego não é um setor que cria emprego de grande produtividade e, portanto, nesse sentido, não é o setor que vai resolver os nossos problemas.

Voltando, então, à questão sobre se existe um limite para o crescimento do PIB, já percebi que, se olharmos para fora, pode não haver. Mas mesmo a nível mundial não vai haver um limite de crescimento para toda a economia? Não estamos a chegar a um ponto limite? Isto é quase bola de crista…
É um bocadinho de bola de cristal, é um bocadinho difícil de prever especialmente o futuro (risos). Seria necessário precisar a palavra “crescimento”, fala-se muito do PIB, porque o PIB é fácil de medir, mas é evidente que o PIB não é a única medida e não é o único objetivo que nós vamos querer ter. Aliás, Portugal, em termos de PIB per capita, tem crescido muito pouco nos últimos 20 anos. Mas as pessoas continuam a querer vir para Portugal. Podemos ter sido ultrapassados pela Chéquia no PIB, mas apesar de tudo as pessoas não vão para a Chéquia. Isso significa que o PIB é um indicador, mas não é o único indicador. E quando nós falamos de crescimento, talvez a melhor palavra seja desenvolvimento, há muito espaço para maior desenvolvimento económico no futuro, que pode não corresponder necessariamente àquilo que nós vamos medir com o crescimento do PIB. Há muitas formas de conseguir ter uma economia mais cíclica, mais sustentável. Isso, por vezes, poderá ser refletido numa menor taxa de crescimento do PIB. Mas quando eu falo de desenvolvimento, de crescimento e melhoria da economia portuguesa estou a falar de todas as dimensões, não necessariamente apenas aquelas que são refletidas no PIB. E, nesse sentido, eu acho que não há limites, há muito poucos limites. O que nós queremos é ter, como economistas, melhor qualidade de vida. As pessoas falam que não vai haver tantos empregos… Vai [haver], só que vão ser empregos em que as pessoas trabalham menos tempo e, portanto, têm mais tempo livre, e depois, por isso, também gera mais atividade económica relacionada com esse tempo livre. É toda uma evolução que não é fácil de prever.

Um exercício interessante que eu gosto de lembrar é que, em 1900, quase metade da população americana era de agricultores. As pessoas ficam muito chocadas porque, neste momento, a população agrícola dos Estados Unidos é 1,5%. 1900 não foi assim há tanto tempo. Se eu explicasse a um agricultor americano em 1900, o que é que vai acontecer daqui a um século e dissesse que todos esses postos de trabalho vão desaparecer. Perguntavam: ‘Então quem é que vai produzir alimentos?’ Os Estados Unidos [hoje] produzem muito mais produtos agrícolas com 1,5% da população do que produziam com metade em 1900. Não vai haver problema nenhum. Então, e empregos para essa gente? Destruíram-se milhões e milhões de postos de trabalho na agricultura, mas não houve desemprego por esse motivo. Agora, se eu fosse explicar a essa pessoa os empregos que ia haver, seria muito difícil: ‘Vai haver jogadores de basquetebol profissionais’. Primeiro tinha de explicar o que era o basquetebol, que não existia; depois tinha de explicar o que era um jogador de basquetebol profissional, que seria um conceito muito difícil de perceber. Gostamos muito de nos queixar da situação atual, mas não tem comparação alguma do que era há 100 anos ou há 200 anos, não tem comparação absolutamente nenhuma, por mais que nos queixemos dos problemas de hoje em dia.

É muito difícil antecipar o que é que, por exemplo, a inteligência artificial poderá provocar nesse desenvolvimento da economia?
É muito difícil prever caso a caso. Posso estar engano, mas eu acho que é relativamente fácil perceber o que significa em termos agregados, que é um passo mais adiante neste processo que se tem dado desde o século XVII, aproximadamente desde a revolução industrial, que é a condição humana material ter grandes melhorias, no sentido de não ter de gastar tanto tempo e tanto esforço para garantir as condições materiais mínimas.

Portanto é dos que acredita que a inteligência artificial vai trazer mais benefícios do que mais desigualdade.
Mais benefícios do que custos. Vai trazer problemas de desigualdade. Nós já estamos a ver isso agora. Não estou a dizer que não crie problemas. Deixe-me dar um exemplo, no caso de um médico radiologista, a inteligência artificial vai permitir olhar para muitos raios X de uma forma mais rápida, continua a ser importante a intervenção humana, porque há aspetos em que é preciso ter uma certa garantia, mas significa que a produtividade do médico radiologista vai aumentar muitíssimo com a inteligência artificial e isso significa que a qualidade dos serviços oferecidos vai ser melhor, mas também significa que a quantidade de serviços oferecidos por um médico radiologista vai ser superior e significa que o médico radiologista vai ganhar mais, na minha opinião, porque vai ter esse grande suporte da inteligência artificial, mas também significa que nós vamos precisar de menos médicos radiologistas para uma certa população. Isso vai ser um padrão típico.

A inteligência artificial vai melhorar a qualidade e a quantidade do trabalho de certas profissões, mas vai também diminuir o número de pessoas necessárias para essa tarefa. Vai destruir postos de trabalho. Não só postos de trabalho que vão ser substituídos por robôs, mas também advogados, médicos, professores, muitos vão ser substituídos. Portanto, tal como os agricultores americanos do século XIX foram desaparecendo ao longo do século XX, vai haver muitos empregos, incluindo empregos qualificados, que vão desaparecer nas próximas décadas. Isso não significa que se vai criar um exército de desempregados, porque, tal como a história, nos mostra aparecerão novos. Quais é que são esses serviços? Isso aí é que é muito difícil de prever. Tal como eu dizia em 1900 seria muito difícil prever que haveria uma pessoa cuja função é escrever jogos de computador.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Portugal tem de usar “poder da marca” para levar estrangeiros a pagar por estarem cá

Estamos com uma grande discussão em Portugal em torno dos impostos. Deve-se avançar na descida do IRC em Portugal?
Não sei. Em relação à reforma fiscal, o que eu faria seria, claramente, reduzir a tributação laboral, tudo que tenha a ver com a tributação laboral.

IRS?
Tudo… As contribuições de segurança social, o que tem a ver com saúde — em Portugal não é muito, mas nos Estados Unidos é imenso –, seguro de desemprego… Todos os encargos laborais, inerentes à atividade laboral. Não é o único problema, mas um dos problemas porque não se criam empregos, nomeadamente para essa gente jovem que está a sair do país, é o custo. Que é um custo direto, tributário, mas também o custo indireto, que tem a ver com a permanência do emprego e a falta de flexibilidade da lei laboral portuguesa e de vários países do sul de Europa. Tudo isso se junta para criar um desincentivo enorme para uma empresa criar postos de trabalho. Eu, pondo-me nos pés de uma empresa, percebo perfeitamente que o incentivo que têm é o mínimo possível, porque o custo é muito grande. É muito melhor fazer outsourcing ou ter uma coisa que é feita por uma máquina ou por um robô ou o que seja. Na minha opinião, essa deveria ser uma prioridade da reforma fiscal, nós temos de inverter isso…

Mas no sentido de liberalização como existe nos países anglo-saxónicos?
Tem dois aspetos. Um de legislação laboral e um fiscal. O que eu faria seria a Segurança Social deixar de ser financiada por contribuições.

Então, seria financiada como?
Com outros impostos. É evidente que o dinheiro tem de vir de algum sítio.

Porque deve haver o Estado Social ou não, deve haver a Segurança Social, ou não?
Claro [que deve]. E, portanto, eu até proporia reformas que fossem neutras nesse sentido. A minha reforma não é tipo libertário, vamos acabar com o Estado. Não é isso, é simplesmente analisar a melhor forma de obter essas receitas.

Essa descida na fiscalidade laboral seria compensada como? Tem falado muito de aumentar a tributação da propriedade. Seria suficiente?
Tenho falado. Bom, eu não fiz as contas, mas estou convencido de que existe alguma margem para esse efeito. Portugal é um país que está na moda, e não é só reformados — para um país da dimensão de Portugal, está desproporcionadamente na boca das pessoas. E, portanto, as pessoas queixam-se, com alguma razão, que estamos a subsidiar demasiado os estrangeiros, mas chegou o momento em que temos algum poder de marca…

E é altura de parar essas subsidiações?
Temos de aproveitar esse facto.

Devemos parar com essas subsidiações a reformados e a investidores de imóveis?
Talvez. Transpondo a estratégia empresarial para a estratégia governamental, deveríamos continuar com incentivos para que as pessoas experimentem Portugal, venham a Portugal, visitem Portugal e se estabeleçam em Portugal, mas depois também ser realistas e saber que essas pessoas que têm dinheiro e têm possibilidade devem pagar por isso.

E daí a taxação da propriedade ser maior?
Eu acho que é um imposto que teria esse efeito distributivo também interessante. Seria uma forma de finalmente conseguir fazer com que as pessoas que foram atraídas ao longo dos últimos décadas para Portugal e para a compra de imóveis também contribuam de alguma forma para o Estado Social português, não sejam simplesmente usuários e beneficiários, mas também contribuintes.

A nível internacional e nomeadamente os Estados Unidos e Canadá são dois países que estão a aumentar a tributação sobre as chamadas grandes fortunas. É um bom caminho e devia ser seguido também? Se bem que aqui as grandes fortunas são uma dimensão um bocadinho diferente.
O problema das grandes fortunas, tal como o da tributação das empresas, é o problema da mobilidade. Isto é, voltamos à questão da Curva de Laffer. Eu só posso tributar quando a elasticidade da oferta da atividade que estou a tributar não for muito elevada. Um estudo interessantíssimo que foi feito foi aumentar a taxa sobre a riqueza num cantão da Suíça. Guess what. As pessoas foram para outro cantão. Em relação às empresas, aliás, a outra forma como tentaria financiar a redução da tributação laboral era fazer uma reforma mais ou menos neutra na empresa, reduzir os seus encargos financeiros com o trabalho, e compensar isso com o aumento do imposto sobre o seu rendimento. O problema sobre IRC das empresas é a mobilidade. Se hoje em dia já há muitas empresas a irem para a Holanda, se eu aumento ainda mais a taxa ainda vão mais. Para que uma estratégia desse tipo possa funcionar é muito importante que haja um certo acordo entre países, nomeadamente países que são substitutos, neste sentido, para não haver paraísos fiscais, acabar com Irlandas da Europa. Na minha opinião, a nível europeu devia ser um objetivo primário.

Já há a taxa mínima de 15%.
Nós já demos alguns passos, com a criação de um mínimo de 15% — que deveria ser mais porque senão quem se lixa é o mexilhão, porque o trabalhador é aquele que tem de facto menos mobilidade. Eu não quero ter uma política fiscal que seja motivada pela facilidade de tributação. Aliás, é o motivo porque nos Estados Unidos os sistemas de saúde são financiados pelo empregador. Isso não tem nenhum motivo económico geral, é, pura e simplesmente, porque é muito mais fácil fazer assim, historicamente foi assim que aconteceu. E não faz sentido absolutamente nenhum. Uma pessoa nos Estados Unidos que não tem emprego não tem acesso à saúde, o que não faz sentido absolutamente nenhum. Tudo isto porque era mais fácil fazer assim. Ora, temos de repensar nas coisas e pensar num sistema tributário não simplesmente porque é mais fácil mas porque faz mais sentido. Não faz muito sentido tributar o trabalho como está a ser tributado, embora seja muito mais fácil porque tem uma elasticidade de fuga muito menor. Mas nós temos de resolver o problema na origem e então depois ter uma política que faça sentido…

E isso vale também para a taxação sobre as grandes fortunas? Tem de haver alguma globalização nessa taxa.
De facto, Thomas Piketty, [Gabriel] Zucman em Berkeley, vários dos economistas que têm escrito muito sobre isso, a cruzada deles é essa. Boa sorte! Porque eles não têm tido muito sorte nisso. Ter dois ou três economistas franceses que tentam convencer os Estados Unidos que é importante ter uma taxa sobre a riqueza.

Mas agora vai ter…
Nada ao nível do que tem sido proposto e do que será efetivo, porque os Estados Unidos têm esse grande problema, a fuga é relativamente fácil ainda e é politicamente muito difícil vender [a ideia] nos Estados Unidos.

A fuga cá seria bem mais fácil do que a dos Estados Unidos?
Seria mais fácil, mas teria de ser feita nível europeu. Se nós conseguíssemos isso a nível europeu, seria já um progresso enorme, na minha opinião.

E o imposto sobre sucessões?
O problema mais de estratégia legal e estrutura tributária é desenhar um sistema que seja robusto, que as pessoas joguem à volta do sistema. Se conseguir isso eu penso que até a um certo nível faria todo o sentido.

Em relação ao financiamento da Segurança Social, devíamos caminhar para consignações, como falou, mas também para novas fontes de financiamento, nomeadamente em vez de tributar trabalhadores, tributar máquinas. Vê com bons olhos esses caminhos de diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social?
Bom, como dizia em primeiro lugar, eu separaria o financiamento da Segurança Social do trabalho. A compensação que eu faria em termos de compensação na atividade económica seria mais sobre o capital ou seria mais sobre o rendimento da empresa. Eu diria, em princípio, do ponto de vista económico, preferiria que fosse mais sobre o rendimento das empresas, e menos sobre o investimento. O único problema hoje em dia, na minha opinião, a esse respeito, e isso não é uma ideia minha, mas é uma ideia que tem sido desenvolvida por várias pessoas, é que, justamente porque a atividade laboral é tão tributada, o incentivo para substituir o trabalho por inovações a única coisa que faz é substituir o trabalho sem aumentar a produtividade. É aquilo que alguns economistas chamam de inovações “assim assim”, que não são grande coisa. Alguns exemplos: as máquinas ATM, ou os checkouts dos supermercados automáticos, ou vários desses tipos de inovações, call centers automáticos, não aumentam muito a produtividade, não aumentam muito o bem-estar.

Até transferem o trabalho de uma pessoa para outra.
Nesses casos concretos talvez tivesse feito sentido tributar essas inovações, de forma a darem incentivos às empresas para fazerem investimentos que realmente aumentem a produtividade total, e não simplesmente para poupar. Mas acho que faz muito mais sentido, estruturalmente, falando como economista, resolver o problema da raiz. Por que que há esta distorção? Porque é que as pessoas se querem ver livre dos empregos? Vamos resolver esse problema para que as empresas não tenham incentivo em ver-se livres desses empregos, em vez de tributar robôs, porque depois poderá e certamente haverá muitas inovações de robótica e inteligência artificial que são muito importantes para a economia e que aumentam muito a produtividade ou o bem-estar. E eu não estou a ver como é que a pessoa encarregada na autoridade tributária tem a capacidade suficiente para saber fazer essa distinção.

"A falta de independência entre o poder legislativo e o poder executivo leva a um défice da democracia muito grande".
Luís Cabral, professor de Economia na NYU

Está nos Estados Unidos há muitos anos e eu gostava de perceber a sua perceção sobre as eleições, que impacto é que pode ter se Donald Trump voltar a ganhar?
O impacto que podem ter é obviamente grande, porque se trata de um país da dimensão dos Estados Unidos. Noutro aspeto, o impacto é menor do que as pessoas pensam. O sistema americano, diferentemente do sistema português e de muitos sistemas europeus, é um sistema com muita independência de poderes. O que em certo sentido é muito bom, em certo sentido é muito mau. Isto é, em particular, a independência entre o executivo e o legislativo é muito grande nos Estados Unidos, é inexistente em Portugal. O ótimo está algures no meio. Mais próximo dos Estados Unidos do que Portugal, na minha opinião. Eu acho que a falta de independência entre o poder legislativo e o poder executivo leva a um défice da democracia muito grande. Mas tem ineficiências importantes. Por que é que o Presidente Biden não fez tudo que tinha prometido? Esqueceu -se? É evidente que não. O problema é que ele não tem dinheiro. O presidente não tem dinheiro nenhum. Qualquer medida tem de ser aprovada pelo Congresso que são duas câmaras. Ter a maioria nas duas câmaras é muito difícil, mas mesmo que tivesse maioria, nada é garantido, porque não existe disciplina de voto. E a verdade é que, porque são círculos uninominais, o elemento da representação local é muito forte. Tudo isso para dizer que o impacto de o presidente ser democrata ou republicano é importante, em muitos aspetos, mas, de um ponto de vista de política económica, não é assim tão grande como seria num sistema como o português de um certo partido ter uma maioria absoluta. Porque nessa altura teria maioria absoluta, tanto no executivo como no legislativo. Para dizer que o sistema americano tem muita inércia neste sentido, isso tem aspetos bons e aspetos maus. Os maus é que é muito difícil fazer coisas.

Mas garante mais os ‘checks and balance’. Num país como Portugal ter um governo minoritário…
Tem essa grande instabilidade, é um exercício de negociação. Há vários países que têm quase cronicamente essa situação, Israel é um caso desses, mas não é o caso único. Nesse sentido, é mais próximo do sistema americano, isto é, o compromisso tem de ser caso a caso, dia a dia. Mas até mais importante do que saber se o governo é maioritário ou minoritário, é que há reformas estruturais em Portugal que exigiriam mais do que o governo maioritário, exigem um acordo de regime.

Já falámos da justiça…
Da justiça, mas há outros… a reforma política seria outro. Toda a reforma no campo da saúde, da educação, da habitação, há aqui aspetos que exigem acordo de regime. Na habitação, o problema das rendas. O problema de Portugal é que os governos vão-se alterando e cada vez que se altera o governo muda a regra. E o problema não é tanto a regra ser mais favorável ao senhorio ou mais favorável ao inquilino, é a incerteza legal. O mercado de arrendamento em Portugal é um mercado muito pouco eficiente, independentemente do partido que esteja no governo. Há esta incerteza legal enorme, em que perdem todos e acaba por ser pior para todos. Um certo acordo de regime seria muito importante, um acordo de regime que dissesse vamos fazer estas balizas e não se muda a não ser com maioria qualificada de 4/5. Era isso que eu faria em relação à habitação e o mesmo em relação à justiça e a outros setores. Há claramente diferenças entre partidos de esquerda e partidos de direita, isso é compreensível. O problema é chegar a uma solução que não é bom nem para um nem para o outro, é mau de uma forma geral. E, portanto, um acordo de regime teria o benefício de conseguir pelo menos evitar estas situações que são péssimas para ambos.

 
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