O Brasil enfrenta “riscos excepcionalmente altos e multifacetados”, apontou nesta segunda-feira o Fundo Monetário Internacional (FMI), afirmando ser fundamental o país implementar reformas que reduzam as despesas obrigatórias e a rigidez orçamentária, fortaleçam a rede de proteção social e modernizem o sistema tributário.
Em declaração do corpo técnico ao final da missão que faz o raio X anual da situação da economia do país, o Fundo ressalta, entre as principais ameaças, “uma segunda onda da pandemia, as consequências de longo prazo de uma recessão prolongada e a vulnerabilidade a choques de confiança devido ao nível elevado da dívida pública no Brasil”.
Nesse cenário, a “implementação célere de reformas estruturais que garantam a consolidação a médio prazo será essencial para mitigar o risco de uma dinâmica indesejável da dívida pública”, diz o FMI, em documento divulgado nesta segunda-feira.
O relatório avalia ainda que, “na ausência de evidências inequívocas da manutenção do teto de gastos, qualquer despesa adicional poderia minar a confiança do mercado e elevar as taxas de juros”.
Na visão da missão do FMI, “em razão do forte aumento do déficit fiscal primário, a previsão é que a dívida pública bruta salte para cerca de 100% do PIB em 2020 e continue elevada no médio prazo”. Além disso, “as necessidades brutas de financiamento, que representam 29% do PIB em 2020, estão sendo supridas por uma combinação de emissões internas e uso de ativos líquidos (depósitos do Tesouro Nacional no BCB)”.
O FMI observa que “a mínima histórica da taxa Selic, combinada com o recente encurtamento do prazo médio da dívida, permitiu ao governo reduzir seus custos de captação para níveis historicamente baixos (5%, em comparação à máxima de quase 15% no fim de 2016)”. O ponto é que “o Brasil hoje se defronta com uma curva de juros em moeda nacional bastante inclinada, o que ressalta as preocupações do mercado com a sustentabilidade fiscal”, aponta o documento.
“O compromisso inarredável das autoridades com o teto de gastos é positivo. Com a dívida pública ascendendo a 100% do PIB, preservar o teto constitucional de gastos como âncora fiscal é fundamental para apoiar a confiança do mercado e manter contido o prêmio de risco soberano”, diz o FMI. “Será necessária uma consolidação fiscal significativa para eliminar o déficit fiscal primário, que a missão estima seja necessário para a estabilização do nível de dívida pública a médio prazo”.
O documento traz também a revisão para melhor da projeção do Fundo para o PIB em 2020 – em vez de uma queda de 9,1%, divulgada em junho, o FMI passou a estimar um tombo de 5,8%, ainda assim um número pior do que o consenso de mercado apontado pelo Boletim Focus do Banco Central (BC), de 5,02%. Para 2021, a estimativa foi reduzida de um crescimento de 3,6% para uma expansão de 2,8%, também pior que os 3,5% projetados pelo mercado.
O FMI reconhece um aspecto que pode surpreender favoravelmente – “a recessão pode ser menos severa, ou a recuperação mais robusta, do que o projetado”. Ainda assim, os riscos são significativos, segundo o FMI.
“Com o auxílio emergencial reduzido à metade nos últimos quatro meses do ano, espera-se que a recuperação do consumo privado seja apenas moderada no segundo semestre de 2020, com uma lenta expansão em 2021 devido aos efeitos prolongados da crise sanitária e à retirada de apoio fiscal”, diz o Fundo.
“A utilização da poupança das famílias acumulada em 2020 (até agosto, observou-se um salto de mais de 60% nos depósitos a prazo das famílias em comparação com os 12 meses anteriores) ajudará a estabilizar o consumo no primeiro trimestre de 2021 e, assim como em muitos países, o investimento será inibido pela capacidade ociosa e a elevada incerteza sobre as perspectivas de crescimento”, aponta o documento. “Projeta-se que o saldo em transações correntes apresente um pequeno superávit de 0,3% do PIB em 2020 em meio à forte contração das importações e que se estabilize em 2021 com a retomada da demanda externa.”
O FMI diz ainda que mais apoio fiscal pode ser necessário, “caso a evolução das condições sanitárias, econômicas e sociais seja pior do que o esperado pelas autoridades”. Na visão da missão do Fundo, “embora alguns indicadores recentes sejam animadores e as autoridades esperem uma forte recuperação no próximo ano, pode levar algum tempo até que o emprego, a renda e a pobreza retornem aos níveis pré-covid.”. A questão é que “a evolução da pandemia está envolta em um grau excepcionalmente elevado de incerteza, e a retirada do apoio fiscal no final do ano adicionará pressão sobre um hiato do produto já expressivo”.